PORTO ALEGRE, RJ (FOLHAPRESS) – Com a experiência de 30 anos de clínica psicanalítica, Vera Iaconelli afirma que tem apreço pela forma com que as novas gerações estão tratando as relações amorosas.

Para os mais jovens, “a experiência amorosa não vem tão carregada de expectativas, e a gente sabe que quanto mais alta a expectativa, maior o tombo”, disse Iaconelli, também colunista da Folha, numa mesa no Festival Fronteiras neste sábado.

No evento que promove encontros entre intelectuais em Porto Alegre, a psicanalista conversou com a escritora e psiquiatra Natalia Timerman sobre a intimidade e seus desafios no mundo de hoje. Iaconelli lembrou como, na década de 1950, as mulheres divorciadas eram vistas com desdém, algo que hoje é impensável. “Que bom que a expectativa sobre o casamento caiu.”

Ela acrescentou que as mudanças sociais não significam que as novas gerações estejam isentas de paixões ou que não cheguem ao seu consultório sofrendo porque levaram um toco do namorado, mas sim que agora as relações afetivas são menos idealizadas.

Iconelli também disse apoiar a família como unidade, não como um termo associado ao formato burguês da modernidade, “que é papai, mamãe e filhinho, esses modelões que são um engessamento da estrutura que sempre existiram”. Ela afirmou que o que se chama hoje de novas famílias “não são novas famílias, são famílias saindo do armário, que antes eram constrangidas, invisibilizadas”.

Para sustentar seu argumento, citou Anna Freud, a filha de Sigmund Freud –o inventor da psicanálise–, que vivia amorosamente com uma outra mulher e ajudava sua companheira a cuidar de seus filhos. Também mencionou os trisais e disse que em muitas vezes eles se formam por iniciativa da mulher numa relação heterossexual, não do homem.

A mediadora do debate que lotou o teatro Simões Lopes Neto, a psicóloga Simone Paulon, fez uma brincadeira com a expressão “família margarina” para designar as uniões ditas perfeitas. “Margarina é uma manteiga ‘fake’, nem para a saúde ela faz bem.”

Como Timerman e Iaconelli são também escritoras, a conversa lembrou de como a literatura e uma sessão de psicanálise são lugares sem interrupções, onde os sujeitos ficam longe dos celulares, no caso da clínica, ou não são impactados por propaganda, no caso dos livros. Os livros são “um espaço sagrado, preservado”, afirmou Timerman, autora do romance “As Pequenas Chances”.

Iaconelli mencionou como os sujeitos de hoje estão perdendo a capacidade de narrar as suas vidas quando chegam ao seu consultório, e Timerman citou como estamos o tempo inteiro “fazendo micronarrativas, que são as postagens”.

“Narrar a nossa historia é importante por esse senso de continuidade, que a gente está arriscando agora com nosso modo de viver tão permeável ao que a internet nos solicita”, afirmou Timerman.

O Festival Fronteiras termina neste sábado, depois de trazer à região da praça da Matriz, no centro de Porto Alegre, uma série de encontros com intelectuais, lançamentos de livros e shows musicais ao ar livre, num formato que lembra a Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, tanto pelos debates quanto pela convivência do público nos intervalos dos eventos.

Esta foi a primeira edição do evento, produzido pela mesma equipe da série de conferências Fronteiras do Pensamento.