SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alexandre Costa ouviu relatos de franqueados da Cacau Show no final de maio de 2022. Houve choro, histórias de dificuldades ou quase falências, pedido de ajuda. Vídeo feito por uma pessoa presente mostra a reação do fundador e CEO da maior rede de chocolates finos do mundo.

Ele levou todos para o fundo da fábrica e, diante de uma fogueira improvisada, preparou um licor de cacau. Era um símbolo de que tudo daria certo no fim.

Para donos de loja que fazem parte da maior rede de franquias do país, não deu. Nas últimas semanas, a reportagem colheu relatos de taxas que eles e elas consideram abusivas, dívidas, ameaças veladas ou diretas recebidas de consultores da empresa, multas teoricamente inexplicáveis e culto à personalidade do fundador da rede.

Todas as acusações são consideradas falsas pela Cacau Show, que tem mais de 4.600 unidades no país, segundo a ABF (Associação Brasileira de Franchising).

Um dos 13 franqueados ou ex-franqueados ouvidos pela reportagem afirma estar com dívidas de R$ 2 milhões. Há quem diga ter acabado com as economias de uma vida. Um deles, do Rio Grande do Sul, mostra imagem de troca de conversas com consultor da rede em que explica os problemas causados pelas enchentes do ano passado e pede parcelamento das contas a serem pagas pelo fornecimento de produtos.

“Não existe possibilidade de parcelar (…) Eu lamento pelo ocorrido nas enchentes, imagino que não deve ter sido nada fácil. Mas quando falamos de empresa e franquia, seguimos os padrões estabelecidos”, foi a resposta.

Quase todos falaram à reportagem na condição de anonimato. Alguns dizem ainda fazerem parte da rede, outros alegam terem saído há pouco tempo e ainda têm dinheiro a receber. Mas também há os que temem algum tipo de represália.

“Eu fiquei um ano sem receber produtos porque me recusei a pagar a taxa do Cacau. Fiquei inadimplente. Não recebi produtos, mas os royalties de 50% sobre o estoque continuaram sendo cobrados, assim como taxas de mídia”, afirma Náira Alvim Passionoto, que abriu uma loja da Cacau Show em Rancharia, no interior de São Paulo. Ela também é diretora da Associação União de Franqueados.

Sob o pseudônimo Helena do Prado, Náira é autora de uma trilogia sobre a Cacau Show chamada “A Doce Amargura – Um Caso de Fracasso Muito Bem-sucedido”. Os dois primeiros volumes estão à venda no site Hotmart. O terceiro, segundo ela, deverá sair em junho.

Os textos são dedicados a narrar a experiência dela como franqueada. Ela não cita nominalmente a Cacau Show, mas não disfarça as intenções.

“Pagávamos boletos sem ter recebido mercadoria, o destino de toda e qualquer cobrança indevida também estava lá no contrato: nunca serão devolvidos em dinheiro. Sempre em créditos e esses créditos serão abatidos em boletos futuros, de acordo com o critério e a concordância da franqueadora. E esses créditos são um parto para receber…”, Náira escreve em um dos volumes.

“O livro começou com uma escrita terapêutica porque fiquei muito deprimida em 2023. Fiz um resumo para o meu advogado. A gente estava tentando achar um remédio jurídico para fechar a loja

Um dos advogados disse que daria um livro ou uma série do Netflix. O primeiro volume vendeu 300 cópias em uma semana”, diz.

Ao falar sobre a inadimplência e a ausência de produtos, Náira faz menção a dois problemas apontados por todas as pessoas ouvidas: a taxa do cacau e a de publicidade (ou mídia).

A chamada taxa do cacau, segundo os relatos, passou a ser cobrada em 2024, ano em que o preço do produto atingiu patamares históricos. Em correspondências enviadas pela franqueadora e vistas pela reportagem, a justificativa era o aumento internacional do preço da matéria-prima e que não havia sido repassada ao consumidor. O reajuste teve de ser pago pelos franqueados, alegam eles, mesmo para o estoque que já tinham antes da crise.

Um deles, de uma cidade de 100 mil pessoas no interior de São Paulo, afirma ter recebido um boleto referente à taxa do cacau, após a Páscoa do ano passado, no valor de R$ 40 mil.

“A taxa do cacau foi imposta de forma unilateral e não está prevista no contrato de franquia. A franqueadora não permitiu atualizar a tabela de preços [dos produtos] nem sequer para que os franqueados não tivessem prejuízo na operação”, diz Sandro Wainstein, advogado da associação e representante desta em ações que questionam medidas da Cacau Show contra seus franqueados.

A empresa contesta a existência da tarifa mas, ao mesmo tempo, a justifica afirmando ter havido um aumento de preços para a indústria.

“Não há cobrança dessa taxa. O que ocorreu é que a indústria elevou o preço dos produtos motivada pelo abrupto aumento do valor da principal matéria-prima [cacau]. Tratou-se de uma decisão de mercado da indústria. O aumento de preços era indispensável diante do aumento do valor da tonelada do cacau”, diz a Cacau Show, em nota.

Giovanna Araujo, advogada especialista em contratos, diz que a criação de novas taxas na vigência do acordo no contrato não é livre. Mesmo em caso de necessidade de reajuste por custo, como para cobrir o aumento de uma matéria-prima, o pagamento adicional não pode ser imposto.

Não é apenas esta taxa que resulta em reclamações. Os franqueados citam outra, referente a publicidade. Eles alegam que não há qualquer prestação de como o dinheiro é aplicado, que o valor é calculado de forma arbitrária e, muitas vezes, que o garoto-propaganda é o próprio fundador da marca, não um artista contratado.

Dois ex-franqueados citam três taxas diferentes cobradas seguidamente e isso também contribuiria para impedir qualquer lucratividade, principalmente em lojas localizadas em cidades menores.

A empresa diz que o valor da taxa de publicidade é fixo e proporcional ao resultado da loja obtido no ano anterior e está previsto em contrato, e que alguns produtos possuem a taxa incluída no preço final e os valores são repassados “frequentemente para a agência de publicidade gestora desses valores.”

As taxas de uma franquia, diz Giovanna Araujo, precisam ser descritas em um documento chamado circular de oferta de franquia (COF), que é entregue antes da assinatura. Nele, é necessário que estejam detalhados finalidade, forma de cálculo, frequência de cobrança, percentuais e prestação de contas periódicas.

“A prestação de contas é obrigatória e o franqueado tem o direito de fiscalização”, dz ela.

Na Cacau Show, existem também queixas comuns quanto ao sistema MinSet, implantado pela companhia para sugerir encomendas que, segundo os franqueados, não podem ser recusadas. As queixas são quanto ao recebimento de um grande volume de produtos que não foram solicitados, sem avaliar o mercado local e, às vezes, com data de vencimento inferior a 30 dias.

A sensação, segundo disseram à reportagem, é que a franqueadora distribui produtos encalhados na fábrica. É o mesmo quanto a sacolas estilizadas e livros escritos por Alexandre Costa que devem ser comprados obrigatoriamente pelos franqueados.

Uma ex-dona de loja afirmou ter recebido um carregamento superior a 1.500 ovos de chocolate na sexta-feira à noite, menos de 48 horas antes do domingo de Páscoa de 2024, sem possibilidade de devolução. A Cacau Show reconhece ter havido atraso, mas que nenhum franqueado foi proibido de recusar as entregas.

A Cacau Show explica haver a necessidade de padronizar a cesta de produtos que não podem faltar nas lojas. Estes são enviados, segundo a franqueadora, quando é detectado que o estoque é baixo. “Nesta hipótese o franqueado, de fato, não pode recusar o recebimento, pois os produtos enviados são necessários para a manutenção da padronização”, diz a companhia. Mas ela afirma que há uma política para devolução de carga com prazo de validade reduzido.

A Cacau Show também contesta outra reclamação comum nos depoimentos colhidos pela reportagem: a de que os consultores das lojas muitas vezes apresentam comportamento abusivo, com ameaças de aplicação de multas por motivos inexistentes. Eles deixariam claro que os franqueados não mandam em suas lojas porque tudo é controlado pela Cacau Show.

A empresa defende seus consultores e diz que eles têm “papel fundamental” de apoio às lojas, oferecem soluções para problemas e contribuem para o crescimento do franqueado.

Para a associação de franqueados, o avanço da Cacau Show não foi acompanhado por aumento de estrutura para apoiar quem investe no negócio. Isso é confirmado até mesmo por pessoas que tiveram lojas, e elogiam a qualidade dos produto e dizem que a marca atrai pessoas e gera movimento.

“Ela [Cacau Show] também faz promessas de retorno de investimento e margens de lucro que, na prática, não se confirmam para a maioria dos franqueados, causando frustração e prejuízos financeiros significativos”, afirma o advogado Sandro Wainstein.

RAIO-X | CACAU SHOW

Fundação: 1988, na Casa Verde, zona norte de São Paulo

Lojas: 4.661; 4.287 franqueadas e 374 próprias; grupo também tem hotéis e parque de diversão Revendedores: 81,5 mil

Produção: capacidade para 30 mil toneladas ao ano

Faturamento: R$ 5,3 bilhões em 2023

Principais concorrentes: Kopenhagen, Lindt, Dengo e Brasil Cacau

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Colaborou Fernanda Brigatti