SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A produção e comercialização dos cigarros eletrônicos no Brasil são proibidas desde 2009, com a primeira resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre o assunto. Na época, Dirceu Barbano era diretor do órgão e vetou a venda dos dispositivos. Ele afirma que não existiam informações muito detalhadas sobre os produtos e que a medida funcionou por muitos anos, mas que agora os tempos são outros.

O posicionamento da Anvisa, no entanto, continua o mesmo. A resolução de 2024 atualizou a decisão que “proíbe a fabricação, a importação, a comercialização, a distribuição, o armazenamento, o transporte e a propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar”.

A agência alegou que não houveram argumentos científicos que fizessem a decisão ser alterada. A medida vai na contramão de diversos outros países ao redor do mundo.

A FDA, agência reguladora americana, aprovou a comercialização de tabaco aquecido nos EUA, por considerar que o produto é menos nocivo que o cigarro convencional, ação corroborada pelo CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA).

No Reino Unido, o NHS (sistema de saúde pública) recomenda o uso de cigarros eletrônicos como uma forma de reduzir o uso do cigarro ou parar de fumar. Já no Japão, a introdução do tabaco aquecido fez com que a venda de cigarros caísse pela metade em dez anos.

Barbano tem acompanhado os estudos envolvendo os produtos sem combustão, como o cigarro eletrônico e o tabaco aquecido. Pesquisas mostram que seria menos danoso consumir esses produtos, pela quantidade menor de substâncias inaladas pela combustão.

“É preciso olhar com mais cuidado também essa questão do produto não combustível, eu acho que é uma obrigação do Brasil, na medida em que tem outros países que fizeram isso e estão fazendo. Não é possível que o Brasil seja tão mais capaz e não deva sequer olhar com mais profundidade o que os outros países estão fazendo”, afirma.

Ainda que apresentem menor quantidade de toxinas do que o cigarro tradicional, o dispositivo eletrônico não é isento de riscos. Estudos também mostram que os vapes estão associados a danos pulmonares, doenças cardiovasculares e apresentam risco de dependência, já que possuem nicotina.

O que fica claro para Barbano e o faz crer na regularização dos cigarros eletrônicos é que proibir não faz com que as pessoas não usem, mas sim com que usem produtos ilícitos.

Dados apresentados pelo Ministério da Saúde na última quarta-feira (28) mostram que 2,6% dos adultos das capitais usam cigarros eletrônicos.

“Não dá para o Estado brasileiro falar que está proibido, quando na verdade não está. A medida sanitária da Anvisa de simplesmente dizer que está proibido é inócua, porque ele está proibido para produzir, e ele não é tratado como um produto de tabaco”, fala o ex-diretor na Anvisa.

Para Barbano, a regulação do produto faria com que ele tivesse as mesmas regras do cigarro convencional, com controle, fiscalização, proibição de propaganda e campanhas para mostrar o quão nocivo esses produtos podem ser à saúde.

“A minha opinião é que nós estamos falhando nesse controle e as pessoas estão tendo muitos problemas, principalmente os jovens, pela falta de informação”, afirma. “No Brasil, todas as tragédias com os cigarros eletrônicos são decorrentes de um uso de produtos que ninguém sabe nem de onde que vem.”

Existe, em tramitação no Senado, um projeto de lei que visa liberar a produção e comercialização dos cigarros eletrônicos, já que pela Anvisa não há brechas. Em relação a isso, Barbano defende que normas técnicas devem ser competência da Anvisa, e não do Legislativo.

“Eu acho que é possível que esse projeto de lei seja aprovado, sim. O que eu acho que é um erro é você definir requisitos técnicos numa regulamentação no Congresso Nacional. Acho que isso é descabido. Tem que preservar a competência e a independência técnica da Anvisa”, argumenta.

Apesar de concordar que os tempos são outros, ele afirma não se arrepender da decisão tomada em 2009.

“Ela era absolutamente necessária naquele momento e foi eficaz e efetiva por vários anos. Acho apenas que a avaliação de impacto regulatório que a Anvisa fez para manter esses produtos proibidos não captura essa realidade de que as pessoas usam esse produto e vão continuar usando.”

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde