SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cinquenta e nove anos após ser banido, Josef Stálin está de volta à estação Taganskaia do Metrô de Moscou, sistema de transporte que é um dos legados que poucos discordam ser positivo do reino de terror do ditador que comandou a União Soviética de 1927 até a morte aos 74 anos, em 1953.

A aparição se deu na forma da instalação da réplica do monumento “Gratidão do Povo ao Líder e Comandante”, em que Stálin surge cercado de cidadãos que lhe lançam olhares lânguidos na praça Vermelha, com o busto etéreo do pai da nação, Vladimir Lênin (1870-1924), atrás.

O metrô inaugurou a obra no dia 15, e desde então ela tornou-se centro de debates na Rússia de Vladimir Putin, presidente que ultrapassará o ditador soviético como mais longevo líder da história moderna de seu país em 2029.

A estátua original havia sido inaugurada em 1950 e sobreviveu 16 anos em pé, até ser levada pela onda de desestalinização que tomou o país em 1956 —quando os crimes do ditador foram denunciados por seu sucessor, Nikita Kruschov (1894-1971).

A réplica tem chamado a atenção de passageiros. O jornalista Mikhail, que não quer revelar o sobrenome por temor da atual repressão ao dissenso na Rússia, disse à reportagem que ficou horrorizado ao ver jovens tirando fotos e selfies, e senhoras colocando cravos vermelhos aos pés do antigo líder.

Houve protestos na oposição consentida ao Kremlin no Parlamento, com o partido liberal Iabloko chamando de um insulto aos mortos pela repressão soviética pelo metrô, que aliás atende pelo nome oficial Vladimir Ilitch Lênin.

Ouvidos por meios de comunicação russos e estrangeiros, esses admiradores de Stálin sempre relativizam o fato de que de 10 milhões a 20 milhões de pessoas pereceram sob seu jogo, 700 mil delas no expurgo político do Grande Terror, de 1936 a 1938.

A industrialização do antigo império agrícola, a vitória sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial e mesmo o metrô que o ditador inaugurou em 1935 e hoje é fonte de orgulho dos moscovitas, com suas estações ornamentadas, citados como legados importantes.

Eles não estão sozinhos. Segundo a mais recente pesquisa sobre o tema do independente Centro Levada, em 2023, 63% dos russos tinham uma visão favorável de Stálin, ante 23% que o viam de forma neutra e apenas 6%, negativa. O apelo não é apenas a mais velhos, saudosistas do império comunista: 48% daqueles entre 16 e 24 anos também diziam aprovar o ditador.

Em comparação, o apoio ao ditador era de 29% em 1992, ano seguinte ao ocaso soviético, e de 28% no não tão distante 2016. O que mudou de lá para cá foi a guinada nacionalista do governo Putin após a anexação da Crimeia, em 2014, culminando com a guerra em curso na Ucrânia.

Não que o presidente seja um stalinista, ao contrário: em diversas ocasiões ele criticou duramente a repressão promovida pelo ditador, e em 2017 até inaugurou um monumento às suas vítimas, atraindo crítica daqueles que denunciavam o crescente autoritarismo do seu governo.

Mas Putin buscou resgatar o espírito da Rússia da Segunda Guerra. Não por acaso, no mesmo 2017 disse em um documentário que aqueles que atacam Stálin no fundo querem atacar o país como um todo.

Essas contradições foram exploradas por ativistas moscovitas que deixaram, de forma sorrateira, cartazes lembrando frases de Putin contrárias ao stalinismo junto ao monumento. Eles foram rapidamente recolhidos pela polícia.

A estátua também tem sido criticada por historiadores da arte por ser na prática um pastiche do mais ornado monumento original. Ela não é, contudo, o único sinal visível de Stálin pela Rússia atual.

Segundo levantamento do site independente MO (sigla russa para Nós Podemos Explicar), há 120 estátuas do ditador em pé no país, e 90% delas surgiram após a chegada de Putin ao poder, no fim de 1999.

Uma delas causou especial revolta na invadida Ucrânia, com o ditador enfeitando uma praça de Melitopol, cidade na Zaporíjia ocupada pelos russos em abril. Há homenagens pontuais também, como a redesignação do aeroporto de Volgogrado com seu nome mais famoso, Stalingrado, durante as celebrações dos 80 anos do fim do conflito global neste mês.

Em Moscou, Stálin podia ser visto em poucos lugares, a começar pelo busto em seu túmulo na muralha do Kremlin, mas também como uma escultura caída removida para o aprazível Parque das Esculturas, que reúne monumentos soviéticos derrubados Rússia afora.

Enquanto Lênin ainda é um hit de compras de suvenires em Moscou, outras homenagens a figuras comunistas aparecem aqui e ali, como uma réplica da estátua do pai do terror soviético, Félix Dzerjinski (1877-1926), semelhante à que foi derrubada à frente do prédio da KGB no ocaso do império, em 1991.