SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Carrefour Brasil conclui nesta sexta-feira (30) o fechamento de seu capital no país. Com a retirada de suas ações da B3, a divisão brasileira da varejista deixa de ser uma companhia aberta e passa a ter a matriz francesa como sua única acionista.

A despedida do Carrefour engrossa a debandada da Bolsa de Valores do Brasil vista nos últimos anos. Em um momento de desvalorização do mercado de ações, juros altos e incerteza sobre a condução das contas públicas, empresas passaram a enxergar pouca vantagem em arcar com os custos de se manter listadas.

O cenário se soma à seca de IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês), que já se arrasta desde 2021. Sem perspectiva de novas entrantes no curto e médio prazo, a B3 vem encolhendo com o passar dos anos, acendendo alerta entre especialistas.

No caso do Carrefour Brasil —ou Atacadão—, a decisão foi aprovada no fim de abril, após a matriz francesa aprovar em assembleia o fechamento do capital da empresa na B3 para reorganizar a estrutura societária da rede varejista.

Em entrevista à Folha de S.Paulo em março, o presidente do Carrefour Brasil, Stephane Maquaire, disse que a saída da B3 iria “agilizar as operações”. “Ter duas empresas de capital aberto, uma em cima da outra, em dois países diferentes, não facilita. Alinhar as comunicações, a estratégia entre as duas realidades, é sempre um desafio”, afirmou à época.

O Carrefour Brasil fez sua estreia na Bolsa em 2017, com a ação valendo R$ 15 (cerca de R$ 22,50 em valores atuais). Nesta quinta (29), a companhia fechou o pregão cotada a R$ 8,45 —uma queda de 62% no período.

O fechamento de capital do Carrefour foi feito por meio da incorporação das ações pela matriz. Geralmente, o caminho padrão para sair da Bolsa é via OPA (oferta pública de aquisição de ações).

De acordo com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), duas OPAs de cancelamento de registro foram feitas em 2025, da DM Financeira e da Kora Saúde. Outras duas estão em análise, solicitadas pela Serena Energia e Santos Brasil.

Nos últimos dez anos, 58 operações do tipo foram feitas no país —valor que não considera OPAs de aumento de participação, alienação de controle ou fusões.

No mesmo período, a B3 viu o número de empresas listadas cair de 456, em 2015, para 421 em abril deste ano. Além do fechamento de capital, falências, fusões e aquisições explicam o esvaziamento da Bolsa.

De modo geral, a decisão de abrir capital é tomada por uma empresa interessada em ampliar suas possibilidades de financiamento. Ao vender suas ações a investidores, parte do dinheiro vai para o caixa da companhia e vira investimento, que, por sua vez, fomenta o crescimento da companhia. O lucro é redistribuído aos acionistas, que são remunerados pelo seu investimento inicial via dividendos e valorização dos papéis.

O processo de saída da Bolsa, por sua vez, pode ter várias razões. Leonardo Chagas, especialista e consultor de investimentos da Musa Capital, afirma que os motivos vão desde aspectos econômicos até questões operacionais.

“Talvez o motivo mais óbvio sejam os juros altos. A nossa Selic em dois dígitos torna a renda fixa muito atraente e ao mesmo tempo acaba encarecendo o custo de capital para as empresas, o que vai deprimindo o valor delas na Bolsa”, diz.

Leonardo destaca que isso é sintoma da percepção de risco do Brasil, que está muito ligada à questão fiscal e à falta de previsibilidade na condução econômica. “Enquanto o governo não arrumar as contas e restaurar credibilidade, o custo do capital vai continuar sufocando o investimento”, acrescenta.

A segunda razão, diz o especialista, é quando os controladores percebem que suas companhias estão baratas na Bolsa, ou seja, que o valor de mercado não reflete o potencial real do negócio.

“Fechar o capital pode parecer para o controlador uma oportunidade de comprar barato ou de ter mais liberdade para reestruturar a empresa longe de pressões trimestrais, de prestação de contas e do escrutínio que o mercado faz.”

Ao fechar o capital, a empresa não precisa necessariamente cumprir padrões de governança elevados e regras como a divulgação periódica de informações financeiras e a comunicação de qualquer movimento relevante. Há ainda mais flexibilidade na gestão do negócio, sem ter de prestar contas ou ter a aprovação de demais acionistas.

Para Leonardo, a saída do Carrefour da B3 é um movimento de peso e bastante sintomático. “Não é um caso isolado. Talvez seja o exemplo mais visível dessa tendência que, pelo menos para mim, me preocupa bastante”, diz.

Clarissa Freitas, sócia da área de societário e companhias abertas do Machado Meyer, afirma que o escritório tem notado uma procura maior de companhias que querem se estruturar para fechar capital no Brasil.

A expectativa é de que a debandada aumente nos próximos meses, inclusive por questões regulatórias. Em julho, uma mudança nas regras da CVM para OPAs deve simplificar o processo, deixando-o semelhante ao dos Estados Unidos.

“Temos notado um aumento de questionamentos e da intenção das empresas em seguir esse processo. Acho que isso vai ser uma tendência pelo menos até o final do ano”, afirma Clarissa.

Na avaliação dos especialistas, a diminuição no número de empresas listadas é preocupante não só para o mercado de renda variável, mas para a economia brasileira como um todo.

Leonardo destaca que ter menos companhias abertas significa menos opções para o investidor, menos liquidez e menos diversidade de setores representados no mercado de ações. “Isso pode tornar a nossa Bolsa menos atraente, inclusive para investidores estrangeiros.”

Já na economia real, o impacto é sobre a capacidade de financiamento das empresas. “A Bolsa é uma importante fonte de capital para investimento em expansão, tecnologia e inovação. Se essa fonte seca, as empresas, principalmente as médias, com potencial de crescimento, podem ter mais dificuldade para conseguir recursos”, diz. “No fim da linha é menos crescimento econômico, menos geração de emprego, um país menos dinâmico.”

O esvaziamento da Bolsa não vem só por meio do fechamento de capital. O mercado de ações está ficando menor porque também há mais companhias recomprando seus papéis.

João Daronco, analista da Suno Research, diz que a lógica é parecida com a das OPAs. Ou seja, quando a companhia avalia estar com um valor de mercado abaixo da sua precificação real, considerando seu patrimônio e projeção de resultados, ela recompra parte das ações no mercado.

É o que fizeram recentemente empresas como Vale, Renner, Tim e a própria B3.

Renata Dominguez, responsável pela área de renda variável do Itaú BBA, diz que a recompra de ações é um paralelo ao aumento significativo das OPAs no Brasil. Segundo ela, há um número muito expressivo, muito maior do que o histórico dos últimos cinco anos, de empresas com programas de recompra em aberto, exatamente porque elas veem que as ações estão depreciadas em relação ao potencial.

“A Bolsa deveria ser um motor de desenvolvimento. Só que, neste momento, ela acaba virando um reflexo das nossas dificuldades econômicas”, afirma Leonardo.