WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A decisão do governo americano de suspender agendamento de entrevistas de vistos para estudantes para ampliar o vasculhamento de redes sociais dos solicitantes aumentou a apreensão tanto de quem busca uma autorização para entrar nos Estados Unidos como de quem já está em solo americano.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, há um clima de pânico entre alunos instaurado desde que a gestão Donald Trump passou a deter estudantes estrangeiros, em fevereiro. Com novas ações contra Harvard, incluindo uma ordem para que a universidade impeça a matrícula de estrangeiros -decisão suspensa temporariamente pela Justiça- e esta última diretriz para revirar os perfis na internet de quem tenta entrar nos EUA, o clima piorou.

A sensação, mesmo de quem já foi aceito em universidades de ponta do país, e com bolsa de estudos, é de incerteza. Além disso, o cuidado a atuação nas redes sociais foi redobrado.

Renato, 24, por exemplo, preferiu usar um nome fictício ao falar com a reportagem. Ele acabou de concluir um mestrado na Universidade Georgetown e tinha a intenção de permanecer nos EUA por mais um ano, o período referente à extensão que dá autorização de trabalho àqueles que têm o visto F1 (de estudo).

Ele já tem uma vaga garantida em um organismo multilateral para o segundo semestre, mas, devido a um infortúnio, não sabe se vai conseguir manter o plano. Renato perdeu o passaporte e precisou voltar ao Brasil para passar por nova entrevista no consulado americano para ter novamente o visto carimbado no documento.

Em tese, ele está com o visto F1 ativo, mas, agora, não sabe mais se ou quando conseguirá a autorização para continuar nos EUA. “Eu cheguei na quinta-feira [22] com esse objetivo. Agora, não sei como vai ficar. Estou considerando a possibilidade de tentar um visto de turista ao menos, porque preciso voltar”, disse.

Somada à burocracia das permissões de viagem, há também o receio relacionado ao que as autoridades podem encontrar em sua atividade digital. “O problema da avaliação das redes sociais é que eles podem inventar qualquer justificativa para te barrar, e não tem o que fazer”, diz.

Renato tem dois colegas aceitos para um mestrado também em Georgetown. As aulas começam já em junho, mas até agora eles não conseguiram o visto e dizem não saber se o farão. “Eles tiram sua vontade de ir para os EUA”, afirma o brasileiro.

Luana, 37, que também preferiu usar um nome fictício, diz ver com grande preocupação as regras pouco claras relacionadas às redes sociais. “Viraram um tabu. Não vejo ninguém postando mais nada. As pessoas que eu conheço saíram até de grupos de WhatsApp relativos a ativismo, todos trocam o nome de grupos”, diz a acadêmica, recém-formada em um doutorado na Universidade Estadual de Michigan.

“Gera uma apreensão porque faz tudo parte do mesmo balaio de ações para expulsar estudantes internacionais do país e prejudicar as universidades e ao mesmo tempo reafirmar a ideologia de ‘América para os americanos'”, avalia. Ela agora está à espera da autorização para trabalhar como professora em uma universidade, também dentro do escopo da autorização para atuação prática a que alunos com visto de estudante têm direito nos EUA.

O advogado Guilherme Vieira, especialista em imigração americana, tem dois clientes já aceitos por universidades americanas e no processo de obtenção de visto. Um deles já estava com a entrevista agendada em um consulado, e ela foi mantida. O outro tentou marcar a sua nesta quarta-feira (28), mas os canais já não estavam disponíveis.

A suspensão das novas marcações gera insegurança e pode comprometer o planejamento acadêmico e financeiro de inúmeros estudantes brasileiros que se prepararam para iniciar seus estudos no exterior, bem como aqueles que estão atualmente estudando nas instituições afetadas, como Harvard”, diz Vieira. “Todos estão não só apreensivos, mas perplexos com as medidas que afetam sonhos e projetos. Muitos ganharam bolsas de estudos e passaram por processos seletivos difíceis. Sonhos de uma vida.”

O Departamento de Estado ordenou nesta semana que suas missões no exterior suspendam o agendamento de novas entrevistas para vistos de estudantes e alunos de intercâmbio. A justificativa para a medida é que os consulados precisam se preparar para ampliar a checagem de redes sociais desses candidatos.

O secretário de Estado, Marco Rubio, informou em comunicado que o departamento pretende divulgar novas orientações sobre a verificação de redes sociais de estudantes e intercambistas após a conclusão de uma revisão. Ele recomendou que os consulados parem de agendar essas entrevistas por enquanto.

O governo americano tem justificado querer identificar conteúdos que possam afetar a segurança do país, como postagens de teor considerado antiamericano ou antissemitas. As pessoas ouvidas pela Folha para esta reportagem, porém, veem a medida como vaga e com potencial de gerar decisões arbitrárias.