WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Enquanto esteve à frente do Doge (Departamento de Eficiência Governamental), o bilionário Elon Musk e sua equipe conseguiram um acesso sem precedentes a dados da gestão Donald Trump, o que pode ser um problema para a segurança dos Estados Unidos e para a proteção das pessoas.
A constatação é de Vittoria Elliot, repórter da Wired, revista que cobre tecnologia e política e tem se destacado na cobertura da atuação de Musk no governo.
O bilionário confirmou nesta quarta-feira (28) que está de saída dos trabalhos do Doge, mas isso não significa o fim dos seus laços com a gestão Trump, nem que seus aliados deixarão o governo.
Vittoria afirma que alguns dos membros da equipe que ele levou ao governo têm sido contratados como funcionários efetivos de certas agências e que chama atenção o fato de as pessoas estarem espalhadas por diversos órgãos do governo federal.
“Agora há pessoas em posições em várias agências que são próximas dele, que são leais a ele. E não acho que seja irracional esperar que eles provavelmente mantenham alguma forma de contato com ele mesmo depois que ele sair”, diz.
Sob a justificativa de precisar escrutinar dados para conseguir atingir a economia de US$ 1 trilhão nas contas públicas -o que não ocorreu-, o Doge pediu acesso a uma série de informações sensíveis. Em fevereiro, pouco depois de chegarem ao governo, Musk e sua equipe ganharam acesso ao controle do sistema de pagamentos do Tesouro americano. Essa autorização foi depois bloqueada pela Justiça.
Reportagem da Wired mostrou que o Doge está montando uma base de dados com informações do Departamento de Segurança Interna pelo qual poderia rastrear e vigiar imigrantes em situação irregular.
Integrantes da equipe de Musk também conseguiram acesso a dados do Departamento do Trabalho e do Departamento de Assuntos Veteranos. A Aclu (União Americana pelas Liberdades Civis) entrou com uma ação judicial contra a Administração da Seguridade Social dos EUA (SSA) e o departamento de veteranos por se recusarem a prestar informações sobre o acesso do Doge a informações sigilosas.
“Muitas fontes nos disseram que isso é bastante incomum [o acesso aos dados]. Há muitas regras que dizem que os dados podem ser entregues para fins legítimos de aplicação da lei. Mas, quando pensamos, por exemplo, no acesso que o Doge tinha no Tesouro aos seus sistemas de pagamento mais sensíveis, e com base em emails que agora fazem parte de processos judiciais, pudemos ver que o plano era de alguma forma fechar a torneira para a Usaid [agência de ajuda internacional]”, diz Vittoria, citando um dos alvos preferenciais de Musk durante seus dias no governo.
“A forma como eles estão ganhando acesso parece estar ignorando regulamentos e normas sobre como dados sensíveis são tratados, por quem e como são protegidos”, diz Vittoria. Para ela, isso tem implicações de longo alcance para a cibersegurança, para a segurança digital dos EUA e para a proteção das pessoas que terão seus dados expostos.
Fora isso, ainda haveria problemas de conflitos de interesses, já que Musk é empresário, assim como alguns de seus colaboradores, e nada impede que eles tenham e mantenham informações sobre eventuais concorrentes.
Ela explica que existem duas equipes do Doge. Uma delas é formada por funcionários do próprio governo, como um desmembramento de uma estrutura criada ainda no governo Barack Obama, com o objetivo de modernizar o governo. Trump aproveitou essa equipe a transformou no Doge, sob o comando da administradora Amy Gleason.
Dentro desse departamento, há uma organização temporária, que é a equipe de Musk, cuja atuação começou em 20 de janeiro e está marcada para encerrar em 4 de julho de 2026. Esse time atua em cargos que seriam como de confiança.
Uma das maiores dificuldades na cobertura, aponta a repórter, é a falta de transparência do Doge. Segundo ela, eles não fornecem a lista de quem trabalha com Musk, tampouco os dados a que tiveram acesso. Alguns dos funcionários foram descobertos depois de investigações da imprensa. A maioria são engenheiros de tecnologia.
“Essas são pessoas que estão sendo trazidas de fora que estão se movendo tão rapidamente que parece bastante improvável que tenham tido a oportunidade de serem verificadas adequadamente da maneira que os funcionários normais do governo são”, avalia.
“E, secundariamente, eles estão trabalhando em muitas agências diferentes. Sabe, estamos vendo membros do Doge alocados em 3, 4, 5 agências. E mesmo isso por si só é muito, muito incomum.”