RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A diretora brasileira radicada nos Estados Unidos Gandja Monteiro, conhecida pelo trabalho em séries de TV como “Wandinha”, já sente na prática os efeitos das ações do governo Donald Trump contra políticas de diversidade -o que inclui pressões para que empresas privadas abandonem iniciativas do tipo.

Monteiro é uma das convidadas desta edição da Rio2C, conferência da indústria criativa que acontece até domingo (1º) na capital fluminense. Ela nasceu nos Estados Unidos, filha de pais mineiros, e viveu no Brasil até os oito anos.

Ela é uma das brasileiras de mais sucesso no mercado americano e dirigiu, entre outros trabalhos, os três últimos episódios de “Agatha desde Sempre”, série do universo Marvel, da Disney+. Além disso, já foi diretora em séries como “The Witcher”, na Netflix, e “The Walking Dead: Dead City”.

“Tem havido um recuo em todos os estúdios”, diz ela à Folha. “Muitos dos estúdios já fecharam seus departamentos de diversidade ou tiraram a palavra diversidade do nome desses setores.”

Apesar da carreira bem-sucedida, ela diz que já até perdeu uma oportunidade de trabalho recente, o que atribui a essas mudanças.

“Estava tentando um trabalho para uma produção que tem um herói latino e, no fim, contrataram um cara branco que tem menos experiência do que eu”, afirma, sem revelar o nome do projeto. “Era o nível mais básico, o piloto, a construção daquele mundo e o espaço emocional e visual. Não foi entregue para a pessoa que tem mais competência e experiência. Quatro anos atrás, algo assim não teria acontecido.”

Monteiro participou de um debate ao lado de Mary Livanos, produtora executiva da Marvel que, além de ser a responsável por “Agatha”, também trabalhou em “WandaVision”.

A Marvel pertence à Disney, que desde antes das eleições presidenciais americanas tem sido um dos alvos de políticos e ativistas conservadores nos Estados Unidos. Ron DeSantis, o governador da Flórida, onde a empresa tem seu famoso parque, foi um dos que passou a pressionar a Disney.

Depois da posse de Trump, em fevereiro, a Disney anunciou a funcionários mudanças em dois programas de diversidade e inclusão da empresa. Apesar disso, analistas desse mercado avaliaram as alterações como menos dramáticas do que as realizadas por outras companhias.

Questionada sobre as pressões do governo americano, Livanos, da Marvel, desconversa e diz que só pode falar sobre a própria experiência.

“Tenho muita sorte de trabalhar em um lugar na Marvel onde nos mantemos fiéis a nossos valores”, afirma. “Posso dizer que não há nenhuma conversa sobre como mudar nosso jeito de criar e filmar por causa do clima político no país.”

Em um mercado que ainda não se recuperou completamente do impacto da pandemia, o setor também vive incerteza diante das políticas tarifárias do governo Trump, que já criticou a prática dos estúdios de rodar filmes nos exterior. Como isso vai afetar a indústria?

“Quisera eu saber”, diz Livanos. “Acho que todos estão esperando uma virada. É difícil, porque é um cenário que muda a cada dia. Não é um ambiente com estabilidade para o ecossistema cinematográfico.”

Monteiro é mais enfática ao criticar a falta de apoio do governo americano e dos estados à produção audiovisual.

“É um problema enraizado. Não estamos filmando no Reino Unido por escolha. Preferia filmar em casa, em Los Angeles. O estado da Califórnia não tem um sistema de incentivos fiscais semelhante ao de Londres ou até mesmo das Ilhas Canárias. O principal problema não são as tarifas, porque há um problema anterior, que já estava aí com outros presidentes.”

Um dos principais nomes convidados do Rio2C, Monteiro se equilibra agora entre lidar com as questões do mercado americano -onde continua a filmar- e os planos futuros, que incluem botar um projeto de pé no Brasil.

“Tenho uns dez projetos em desenvolvimento nos Estados Unidos, mas quero fazer algo aqui. Tenho um filme de terror psicológico brasileiro que já tem financiamento e um outro, ainda secreto, que é uma distopia de ação feminista com dois grandes atores brasileiros.”