BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo vai ter que fazer ajustes no estudo sobre a modelagem financeira e orçamentária da usina nuclear de Angra 3. Isso porque, após o acordo alcançado entre União e Eletrobras para que a empresa possa sair dos investimentos, é preciso decidir qual será o aporte público para retomar as obras -com custo total previsto em R$ 21 bilhões.

A discussão sobre concluir ou não Angra 3, cujas obras foram paralisadas com as investigações da Operação Lava Jato, vem se arrastando mesmo após o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ter entregue, no fim do ano passado, o estudo com os números envolvidos na operação.

O documento levava em conta a Eletrobras como investidora do projeto ao lado da estatal ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional). Mas não houve consenso entre os ministérios que compõem o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) e a decisão sobre executar ou não as obras foi adiada.

Enquanto o governo ainda discute a retomada da construção, a Eletrobras -privatizada em 2022- conseguiu sair do investimento em Angra 3 por não ter interesse no empreendimento. Há cerca de um mês, os acionistas aprovaram um acordo com a União que prevê o seu desligamento do projeto em troca de o Executivo passar a ter cadeiras nos conselhos da companhia.

Ricardo Lycurgo, presidente da Eletronuclear (estatal responsável pelo empreendimento), afirma que o estudo entregue pelo banco estatal considerava 10% de aporte de capital próprio (equity) dos acionistas e 90% de dívida. Agora, esses percentuais podem mudar.

A fatia de 10% equivaleria a R$ 2,4 bilhões, que seriam divididos entre os acionistas. A Eletrobras ficaria com um terço (cerca de R$ 800 milhões) e a ENBPar com dois terços (R$ 1,6 bilhão).

Com a saída da Eletrobras, os custos recaem inteiramente sobre a ENBPar. “Ela precisa saber se há orçamento para isso”, diz Lycurgo à Folha. “Se não houver, teremos que rebalancear equity e debt [dívida]”.

Por isso, Lycurgo afirma que é necessário entender do governo quais serão as premissas a serem adotadas para a modelagem. A partir disso, o BNDES vai ajustar os números do projeto e entregar o novo estudo para uma nova discussão do CNPE.

“Há exigência de um novo estudo. Óbvio que vai se usar muito do que o BNDES já fez, não vai sair do zero. Toda a orçamentação continua. [Mas] tem que ver quais as premissas, porque as premissas passadas não existem mais”, disse em audiência na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (27).

“A Eletronuclear já acionou ENBPar, MME [Ministério de Minas e Energia], Fazenda, AGU [Advocacia-Geral da União], para dizer que, para a gente entender e trabalhar junto com o BNDES no novo estudo, precisamos das premissas. É nesse ponto que a gente está. Para que a gente possa levar esse novo estudo ao CNPE e ele bem decidir”.

A discussão é feita em um cenário de restrição orçamentária que vem causando sucessivos desgastes ao governo. Os defensores querem ver o projeto começar a sair do papel ainda em 2025.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é um dos principais defensores da conclusão de Angra 3. Ele diz que o governo gasta cerca de R$ 200 milhões por ano apenas com manutenção de equipamentos já adquiridos e que é preciso ampliar a geração nuclear.

Em seu voto do CNPE, o ministro afirma que o investimento já realizado na usina de Angra 3 é da ordem de R$ 11 bilhões e que a interrupção do projeto pode gerar uma perda significativa, com impacto direto no patrimônio da ENBPar e possíveis prejuízos à União. Caso a obra seja interrompida, a ENBPar deverá reconhecer uma perda de R$ 3,3 bilhões, refletindo em perda patrimonial para a empresa.

A não aprovação da outorga e do preço da energia de Angra 3, segundo o MME, também pode resultar em aportes imediatos de até R$ 14 bilhões por parte dos acionistas, incluindo a União. Esses aportes seriam necessários para cobrir custos decorrentes da não execução do projeto e da rescisão de contratos com fornecedores, aumentando a carga financeira para o governo e, consequentemente, para a população brasileira.

Mas a defesa é contestada. Os ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente já se manifestaram contra o empreendimento.

O engenheiro Jerson Kelman, que foi diretor na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), lembra que os custos e prazos envolvidos podem mudar. Ele cita um levantamento que diz que, de um conjunto de 16 mil projetos de infraestrutura, apenas 0,5% foi construído no prazo, dentro do orçamento e com o benefício imaginado.

A Articulação Antinuclear Brasileira (AAB), movimento contrário às usinas nucleares, afirma que o empreendimento é obsoleto, representa riscos ao meio ambiente e é caro.