SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Num mundo em que as consequências do aquecimento global estão mais evidentes, pondo a vida em sociedade em risco, não faltam agentes ligados ao poder que, na contramão dos esforços gerais de cientistas, se dedicam a desacreditar essa urgência.

“É impressionante como a ciência adquiriu um enfoque político. Na nossa visão, ela deveria ser completamente apolítica. Nós sabemos que o gelo derrete a partir de 0 °C e que a água ferve a partir dos 100°C. Estamos diante de fatos concretos, com os quais não deveria existir margem para divergências”, diz Pedro Kos, co-diretor de “O Efeito Casa Branca”, que abre a 14ª Mostra Ecofalante de Cinema nesta quarta (28), em sessão para imprensa e convidados. O filme será exibido no próximo dia 4, seguido de um debate com Natalie Unterstell, Carlos Nobre, Ricardo Abramovay e Giovana Girardi.

Ao unir diversos arquivos, o documentário investiga os bastidores de uma disputa que definiu a discussão ambiental no governo de George Bush. Na tentativa de redefinir seu vínculo com a exploração do petróleo, o então presidente americano nomeou o ambientalista William Reilly para a chefia da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.

A escolha despertou atritos com o chefe do gabinete presidencial da época, John Sununu. Fosse ao remexer a biblioteca de Bush pai, fosse em acervos organizados por jornalistas, Kos e os cineastas americanos Bonni Cohen e Jon Shenk levaram anos para levar o cenário oculto à tela grande.

“Nós queríamos destacar o diálogo entre as pessoas no centro da cena e a opinião pública. Queríamos entender como a perspectiva da população foi se transformando. Optamos por não filmar qualquer material para que pudéssemos criar um ‘túnel do tempo’. A ideia era levar o espectador para aquela época e transmitir a história em tempo real”, afirma Kos.

Nascido no Rio de Janeiro, o documentarista se mudou para Los Angeles durante a adolescência. Os sets de filmagem o aproximaram do cinema e ele se descobriu montador. Sua habilidade em escolher, cortar e juntar materiais se desdobrou em análises políticas, sociais e econômicas dos Estados Unidos, ainda que os temas digam respeito à escala global.

À montagem se juntou a vontade de escrever e dirigir e em 2022, também ao lado de Shenk, Kos concorreu ao Oscar de melhor curta-metragem de documentário com o seu “Onde Eu Moro”. Disponível na Netflix, a produção questiona o aumento da população de rua americana.

“Tenho muito medo do que vem acontecendo nos Estados Unidos. Falar sobre mudanças climáticas é quase um tabu outra vez. Existe uma censura que exige cada vez mais a omissão por parte de órgãos como a Nasa e a agência de meteorologia. Essas informações estão deixando de ser acessíveis e a administração tem cortado o financiamento para pesquisas do tipo”, diz Kos.

Ele vê o Brasil enquanto possível líder do dilema ambiental e coloca a Ecofalante como importante ferramenta no combate à narrativas falsas. Seja por unir gerações de cineastas brasileiros -caso, este ano, de Jorge Bodanzky, Eunice Gutman, Eryk Rocha e André Novais de Oliveira-, ou seja pela mistura de vários países, a mostra criada em 2012 se firmou com o objetivo de democratizar as discussões sobre o meio ambiente.

“Nós víamos que o debate ambiental ainda era tido como sinônimo para falar da Amazônia e dos povos indígenas. Havia uma infinidade de questões pertinentes à cidade que eram deixadas de lado. A missão era mostrar que o ambiente pode ser tudo e fazer jus a esses complexos sociais”, diz Chico Guariba, diretor do festival.

Ele cita os convênios que a organização estabelece com universidades pelo Brasil, as parcerias com espaços culturais e a penetração de um streaming própria, o Ecofalante Play, em 800 municípios do país. Mais do que promover sessões, Guariba coloca o fomento à educação como seu maior objetivo.

Com mais de 120 filmes selecionados para esta edição, a mostra vai da homenagem ao cineasta Hermano Penna -reconhecido por clássicos como “Sargento Getúlio”-, à tradicional seleção de curtas que celebra a produção universitária. Desta vez são 20 projetos, que contemplam questões como a identidade de gênero, a tensão racial, o trabalho e a cultura periférica.

Na programação, também se destaca o ciclo dedicado ao cinema feminista, que resgata obras de diretoras como Márta Mészáros e Helke Sander -responsável pelo “1° Seminário Internacional de Cinema de Mulheres”-, além de filmes como “Mulheres de Cinema”, que pensa a contribuição de artistas e cineastas brasileiras como Ana Carolina e Helena Ignez.

Chamam igual atenção longas como o “O Jogo da Mente”, sobre as operações de um dos maiores laboratórios de inteligência artificial do mundo, “Favoriten”, produção que investiga a vida de crianças imigrantes nas escolas de Viena, e “Feitos de Plástico”, que pensa o efeito dos microplásticos sobre os corpos humanos, entre tantos outros.

“Faltam políticas públicas para um festival como esse e tínhamos um pouco mais de esperança com a chegada da COP30. Mas seguimos com o nosso exercício de resistência”, afirma Guariba.

Em sua 14ª edição, o festival ainda se prepara para um ciclo de debates que envolve temas como a imigração e a mobilização do grupo LGBTQIA+. “Se você não tem respeito pela pessoa básica, jamais irá cuidar das florestas. Precisamos mostrar todos os tipos de ativismo.”

O EFEITO CASA BRANCA

Quando Mostra Ecofalante – qua. (4), às 18h20, no Reserva Cultural

Preço Grátis

Produção Estados Unidos, 2024

Direção Pedro Kos, Bonni Cohen e Jon Shenk

14ª MOSTRA ECOFALANTE DE CINEMA

Quando De 29 de maio a 11 de junho

Onde Veja a programação completa em ecofalante.org.br

Preço Grátis