SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A abertura do inquérito contra o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ocorre após manifestação do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, sobre possibilidade de punir o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e em cenário em que a Câmara dos Deputados não tomou qualquer medida em relação à conduta do parlamentar.
A pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), Moraes abriu nesta segunda-feira (26) uma investigação contra o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelos supostos crimes de coação, obstrução de investigação e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo dizem que a atuação do congressista no exterior vem gerando fatos novos que justificam a abertura de investigações -soma-se a isso a fala de Rubio, equivalente ao ministro das Relações Exteriores do país, afirmando que sanções a Moraes estão sendo analisadas pelo governo de Donald Trump.
Ao mesmo tempo em que há também críticas à abordagem na via criminal a respeito, também é feita a ressalva de que o Legislativo não está atuando.
A atuação do deputado no exterior chegou a ser objeto de um pedido de cassação por quebra de decoro apresentado à Comissão de Ética da Câmara pelo PT em fevereiro de 2025.
Após o pedido da PGR desta segunda (26), o líder do partido na Casa, Lindbergh Farias (RJ), afirmou que apresentará um novo requerimento ao conselho da Casa, desta vez pelos crimes de obstrução da Justiça e contra a soberania nacional.
Para Maíra Salomi, advogada e vice-presidente da comissão de direito penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), há uma relação entre o andamento das ações penais contra os envolvidos na trama golpista e a mudança de tom das falas de Eduardo.
“Não tínhamos, pelo menos não tão claramente, uma expectativa de ameaças ou de pedidos claros para autoridades americanas de qualquer eventual sanção para autoridades brasileiras”, afirma ela. “Quando ele [Eduardo] se licencia, vai um degrau acima e começa a dizer que sim, vai buscar medidas sancionatórias contra, sobretudo, o ministro Alexandre de Moraes”.
Professor de direito penal da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Davi Tangerino criticou o que considera um vício brasileiro de buscar soluções pelo caminho da criminalização. Para ele, o debate seria mais produtivo no âmbito do Legislativo, discutindo os deveres e prerrogativas parlamentares.
“Antes de se perguntar se isso é coação ou obstrução de justiça, com todas essas ginásticas interpretativas que são sempre perigosas em matéria penal, o Parlamento deveria estar se perguntando se faz sentido, se é conforme o decoro parlamentar um congressista estar em outra nação articulando junto a ela um ataque contra um juiz da Suprema Corte.”
Segundo o professor, diante da inércia do Congresso, os fatos novos justificam a abertura de um inquérito.
Luisa Ferreira, professora da FGV Direito SP, diz que, embora o deputado possa se apoiar na legislação americana para pedir punições, anunciar de forma ostensiva que busca sanções contra uma autoridade de investigação brasileira ultrapassa os limites do direito de defesa.
“Quando ele publiciza isso, mostra um interesse, não de ver necessariamente o ministro Alexandre [sendo] processado [por eventuais crimes], mas, antes disso, de que as pessoas tenham medo de seguir e continuar processando o ex-presidente Jair Bolsonaro, com medo de eventual retaliação”, afirma ela.
Ferreira ressalta que há poucos critérios para se iniciar uma investigação no Brasil e que por isso já seria possível iniciar uma investigação a partir do que se sabe até agora, o que, afirma ela, “não significa que ele pode ser condenado só com base nisso”.
Carolina Ferreira, advogada e professora do IDP e da Uniceub (Centro Universitário de Brasília), afirma que um inquérito policial é uma investigação preliminar e não dá ao investigado o status de acusado ou réu. Para ela, isso afasta o possível argumento de que as ações de Eduardo nos EUA seriam, na verdade, meios de defesa processual e reações a uma possível perseguição política.
“A petição [da PGR] indica que ele precisa ser ouvido para oferecer esclarecimentos em relação a esses fatos. Então, ele pode se defender indicando o que de fato ele está fazendo nos Estados Unidos. Quais são as agendas que ele tem empregado, em que medida isso se afasta de qualquer tipo de organização criminosa. Acho que esse é o ponto principal agora”, afirma.
Maíra também afirma que um eventual enquadramento das condutas praticadas por Eduardo nas três hipóteses de crimes levantadas por Gonet dependerá das provas que serão produzidas e que não seria incomum uma mudança nos tipos penais aventados no pedido de abertura do inquérito.
“Em um pedido de inquérito policial há a possibilidade de se aventar possíveis crimes, mas isso não é fechado, não é delimitado. Então, pode ser que conforme as provas que serão produzidas, esses crimes podem mudar. Alguns podem cair, novos podem surgir. Depende muito do que se prova”, diz.