BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) já transferiu R$ 297,8 milhões para a OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura), entidade que gere a montagem da COP30, mesmo antes de finalizar os ajustes em contratos do evento.
A organização internacional irá subcontratar empresas para erguer as estruturas, além de oferecer serviços e mão de obra para a conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que será realizada em Belém, em novembro.
O valor desembolsado em 20 de maio corresponde à soma das propostas apresentadas por duas empresas que venceram a licitação da OEI para trabalhar no evento. O custo final dos contratos, porém, ainda não está acertado.
O pagamento antecipado é uma exceção em compras feitas diretamente pela administração pública. Em geral, o governo realiza o empenho, etapa em que se compromete com a despesa, mas só desembolsa os valores quando o serviço é entregue.
Em nota, a Secop (Secretaria Extraordinária para a COP30), vinculada à Casa Civil da Presidência da República, confirmou que estão em discussão os “ajustes no escopo contratual”, mas disse que a OEI devolverá a verba não utilizada.
O governo firmou, em dezembro de 2024, um projeto de cooperação internacional de R$ 480 milhões com a OEI para a entidade intermediar a subcontratação de empresas que vão montar a COP30. A organização internacional cobra uma taxa administrativa de 5% sobre o valor que for executado na conferência.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, o tamanho do convênio foi inflado por estimativas de compra em valores acima do mercado, como de garrafas d’água de 500 ml a R$ 17,50 cada uma. As compras finais, porém, terão valores diferentes, seguindo o contrato assinado pela entidade com as empresas.
O acordo do governo Lula previa um desembolso de R$ 380 milhões à OEI até março, mas o primeiro pagamento foi realizado na última semana, em valor mais baixo, baseado nos contratos ainda em negociação.
Em nota, a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) disse que a contratação com a OEI segue um regime jurídico diferente, “por ser regulada pelo direito internacional público, específico para parcerias com organismos internacionais”.
A pasta afirmou que a organização atua como “parceira técnica, sem substituir o Estado”, e que apoia a execução de políticas públicas e organização de eventos como a COP30 e o G20.
Questionada sobre qual a vantagem de escolher a entidade em vez de organizar diretamente estes eventos, a Secom disse que a contratação da entidade internacional “deve-se à sua expertise técnica e capacidade de executar atividades logísticas e operacionais de alta complexidade.”
Já a OEI afirmou que a sua escolha como “parceiro institucional” tem o objetivo de “garantir a boa organização do evento, de maneira que o governo possa se concentrar nas discussões substantivas”.
“O valor empenhado e transferido pela Secop foi necessário para garantir a celebração dos contratos. Este valor não representa o orçamento total da COP30, nem necessariamente o valor que será empregado pelo governo, haja vista que a OEI promoverá a captação de recursos adicionais, incluindo patrocínios e cessão de espaços”, declarou ainda a organização internacional.
O governo disse ao site Metrópoles que não deve comprar ao menos um item previsto na licitação da OEI: garrafões dágua que custariam cerca de R$ 1 milhão. O produto deve ser fornecido por patrocinadores, ainda segundo as informações fornecidas ao site.
A Folha de S.Paulo perguntou se, apesar de receber já ter recebido os dinheiro do governo, outros itens presentes na proposta das empresas também devem ser excluídos e qual será a redução no valor do contrato final das empresas, mas o governo e a OEI não se manifestaram sobre este ponto.
Em nota, a Secop disse que “embora o valor global tenha sido transferido, não haverá qualquer pagamento antecipado às empresas contratadas”. A secretaria afirmou que os pagamentos serão feitos após a “efetiva prestação dos serviços”, e que a OEI irá devolver o dinheiro que não for utilizado.
A DMDL e o Consórcio Pronto venceram a disputa pelos contratos da OEI oferecendo um desconto linear de 50% sobre as centenas de itens em disputa. Empresas que perderam a licitação disseram, em recursos negados pela organização, que as propostas eram fictícias e foram apresentadas apenas para levar o certame e, mais tarde, buscar aditivos contratuais.
A OEI tem sede em Madri, na Espanha, e escritórios regionais em diversos países e já firmara contratos durante diferentes governos brasileiros.
A organização recebeu ao menos R$ 80 milhões na gestão Bolsonaro, mas os negócios da entidade com o governo federal dispararam sob Lula (PT). Desde 2023 a entidade ganhou cerca de R$ 500 milhões apenas de ministérios e da Presidência, sem contar verbas dadas em parcerias com estatais e outros órgãos. O maior desembolso se deu para a organização da COP30.
Em abril de 2023, a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja afirmou no X, antigo Twitter, que aceitou um convite para coordenar a “Rede de Inclusão e Combate à Desigualdade” da OEI, em agenda com a entidade na capital espanhola.
OPOSIÇÃO PEDE SUSPENSÃO DE PAGAMENTOS
O TCU (Tribunal de Contas da União) já fez questionamentos ao governo sobre o acordo para montagem da COP30, mas não aceitou, nas primeiras análises, travar repasses à OEI. Em abril, o ministro Bruno Dantas afirmou que a entidade é privada e segue regra própria de licitação.
O líder da oposição na Câmara dos Deputados, deputado Zucco (PL-RS), deve reforçar o pedido ao tribunal em nova representação. Entre outros pontos, afirma que a entidade age como “atravessadora” ao cobrar taxa para realizar contratações que costumam ser feitas diretamente pelo governo federal.
Um dos exemplos dados pelo parlamentar é que a programação tradicional do G20 foi montada por licitações feitas diretamente pelo governo, enquanto a OEI foi escolhida para executar o G20 Social, cobrando uma taxa para subcontratar outras empresas.
Em nota, a OEI afirma que aplica taxa abaixo do limite de 10%, estabelecido por decreto de 2024. “Ela incide apenas sobre custos indiretos, pois a OEI, como organismo internacional, não visa lucro.”
A Secom da Presidência diz rechaçar “qualquer tentativa de desinformação ou politização da escolha da organização internacional” para a montagem de eventos internacionais. “A parceria segue fundamentos técnicos e legais, fortalecendo a capacidade do Estado de executar políticas e eventos estratégicos com eficiência, integridade e transparência”.