TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Dessa vez Pabllo Vittar foi longe demais. A frase usada em notícias falsas sobre a drag queen que virou meme, se tornou agora, de certa forma, verdade. A cantora viajou do Brasil até o outro lado do mundo, em Tóquio, onde neste domingo participou do Anime Awards, premiação mais importante dedicada à animação japonesa.

Com asas presas nas costas, vestido bege e meias de renda, Pabllo usou um figurino inspirado em “Sailor Moon”, um dos seus animes favoritos quando criança. Nascida em 1993, ela é fã também de “Pokémon”, “Dragon Ball Z” e “Digimon”, animes que foram exibidos à exaustão no Brasil, por anos, na TV aberta.

“Estar aqui vai além da Pabllo Vittar, me leva de volta ao Phabullo”, diz a drag, mencionando seu nome de nascença. “Os animes sempre me inspiraram, e não só o meu jeito de ser, mas também as roupas que uso, os videoclipes que faço, minha música em geral.”

Pabllo já fez shows de Carnaval com fantasias de “Naruto” e “Sakura Cardcaptor”. Antes, na pandemia, lançou um clipe animado, em estilo anime, para a música “Rajadão”. “Os animes ensinam que a gente pode ser o que quiser, independentemente do nosso corpo ou da nossa voz”, diz a cantora.

“É sobre liberdade, não há prisão a códigos de gênero. Os meninos são mais afeminados, e as meninas não são princesas da Disney, superfemininas. Há mais diversidade. Um personagem de ‘Hunter X Hunter’, por exemplo, tem a voz fina, que nem a minha. Sempre sofri muito bullying por ter voz fina, e aí me encontrei nos animes.”

A drag queen foi uma das artistas mais paparicadas pela imprensa japonesa e internacional. Deu um grito estridente a pedido de uma jornalista australiana, mandou beijos a indianos e disse muitos “obrigada” em inglês. Além dela, passaram pelo tapete vermelho do evento artistas como o italiano Damiano, da banda Maneskin, a cantora americana Rina Sawayama, e o ator japonês Kanata Hongo, que está no elenco da adaptação live-action do anime “Attack on Titan”.

Nova amiga de Pabllo, a drag queen americana Plastique Tiara também desfilou pelo local. “Quando eu era criança, e me sentia de mãos atadas diante das limitações impostas pelos meus pais, ou pela vida em geral, procurava inspiração nos animes, sonhando em um dia poder viver uma fantasia daquelas. E agora consegui”, ela disse, com uma roupa inspirada em Asuka, personagem de “Neon Genesis Evangelion”.

O Anime Awards é realizado anualmente desde 2017 pela Crunchyroll, plataforma de streaming dedicada a animes, e desta vez ocorreu em um hotel de luxo de Tóquio. Os principais indicados eram “Solo Leveling”, que venceu maior prêmio, de anime do ano, e “Dan Da Dan”, campeão na categoria melhor música por “Otonoke”. O troféu foi entregue por Pabllo Vittar à dupla de hip-hop japonesa Creepy Nuts.

“Solo Leveling” trata de um mundo onde humanos usam magia para destruir monstros. Já “Dan Da Dan”, disponível na Netflix e na Crunchyroll, é uma história “nonsense” sobre paixão adolescente, fantasmas, alienígenas e traumas familiares. Misto de comédia e ação, o anime fez sucesso por ser repleto de piadas de sexo e cenas de pancadaria. Na premiação, venceu ainda a categoria melhor design de personagens.

O título representa uma nova leva de animes que tentam substituir as mais emblemáticas da última década, caso de “Attack on Titan”, encerrado em 2023, e de “My Hero Academia”, que deve ter sua última temporada lançada este ano.

As produções dessa geração também foram reconhecidas na premiação. “Demon Slayer”, por exemplo, venceu o troféu de melhor continuação por sua quarta temporada, lançada no ano passado –é um dos desenhos japoneses mais celebrados no mundo desde 2019, quando estreou.

Estabelecidos entre o público ocidental há décadas, os animes agora interessam mais do que nunca a Hollywood. No ano passado, a Warner retomou “O Senhor dos Anéis” nos cinemas com um filme em estilo anime. Recentemente, “Star Wars” lançou animações com o traço japonês, e a Netflix fez uma versão com atores em carne e osso para “One Piece”, um dos animes mais longevos da história.

Há interesse financeiro por trás disso, afirma Gita Rebbapragada, diretora de operações da Crunchyroll. “Os estúdios perceberam o quanto animes dão certo com o público jovem. Essa é só mais uma maneira de se construir uma franquia e manter a audiência”, diz ela. “Mas ficamos empolgados em ver um anime de ‘Star Wars’. Quanto mais, melhor.”

Ela está a frente de uma tentativa de exportação da animação japonesa –segundo Rebbapragada, Brasil tem o quinto maior contingente de fãs de animes do mundo, atrás de Japão, China, Estados Unidos e Índia, nesta ordem. A Crunchyroll quer esticar sua projeção na Itália, França e Alemanha, além de se fortalecer no território americano.

A estratégia pode ser atrapalhada pelo presidente Donald Trump, que assustou a indústria do entretenimento ao afirmar que pretende criar tarifas para filmes com produção vinda de fora dos Estados Unidos. Assim, a depender das regras que ele estabelecer, mesmo produtos animados podem acabar prejudicados.

Ao ser questionada, Rebbapragada diz apenas que a empresa “reagirá de acordo conforme as coisas acontecerem”.

O Anime Awards seguiu os moldes de uma premiação americana, como o Oscar, com a entrega do prêmio misturado a apresentações musicais, com a cantora Lisa e o grupo Flow, misturadas à entrega do prêmio. Foram celebrados ainda títulos como “Frieren e a Jornada para o Além”, em melhor drama, e “Look Back”, eleito melhor filme de anime do último ano.

O jornalista viajou a convite da Crunchyroll