RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Um dos motivos pelos quais a pioneira russa da cibersegurança, Kaspersky, responde ao crime virtual com agilidade é uma questão de idioma e cultura, diz o CEO da empresa, Eugene Kaspersky.

Para saber como pensam os membros das quadrilhas online, ele mantém equipes de pesquisa de ameaças cibernéticas em diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil. Os cibercriminosos russos, diz Eugene, se destacam pela sofisticação, os chineses pela quantidade e os brasileiros pela atuação contra o setor financeiro.

“O cibercrime é um problema global”, afirmou à Folha durante visita ao Brasil. “Há tantos atores maliciosos [termo guarda-chuva para criminosos, hacktivistas e ciber espiões] que não podemos rastrear todos eles.”

Esses grupos atuam em rede, trocam informações e tecnologia, sendo que os desenvolvedores de formação técnica na Rússia ou na antiga União Soviética são fornecedores essenciais de software para o submundo da internet.

“Ser russo nos ajuda a ter informações”, disse o executivo, cuja companhia está sob banimento do governo americano por suspeitas de influência de Vladimir Putin e de risco de espionagem, segundo Washington. A empresa diz que autoridades dos EUA nunca apresentaram evidências sólidas que embasem essas suspeitas.

Segundo o fundador da Kaspersky, o veto decretado por Joe Biden em 2023 e mantido por Donald Trump coloca a empresa em uma situação de escrutínio maior do que qualquer outra concorrente.

“Se tivesse algum problema de segurança ou privacidade, isso já seria público”, diz o diretor da Kaspersky para as Américas, Claudio Martinelli.

Eugene visitou o Rio de Janeiro para participar de um evento com clientes da região. Apesar do embargo americano, a empresa reportou receita recorde de US$ 822,5 milhões no ano passado com um plano de expansão com foco no sul global e no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

A companhia mantém escritório em São Paulo desde 2008 e também tem sedes em Cidade do México e Bogotá. No Brasil, além de atender ao público corporativo e ao geral, a Kaspersky oferece serviços para o governo e as Forças Armadas.

Está também na China desde 2004, onde tem uma parceria com a Huawei.

“Eu consegui uma permissão especial da polícia para visitar lugares da China que são de acesso proibido para estrangeiros. Em alguns dos lugares que eu já fui, eu ouvi que fui o primeiro turista a conhecer”, afirma ele.

Essa capilaridade, defende o executivo, dá uma vantagem à sua empresa em relação às concorrentes norte-americanas, que acabariam encasteladas em escritórios nos Estados Unidos com profissionais formados lá.

Quanto aos russos, ele diz: “Podemos rastrear as inovações do crime russo meses antes de qualquer um, porque nós falamos russo e outros idiomas e conseguimos compreender o comportamento e a forma que eles atacam.”

“É como o futebol, nosso sistema é mais ágil, e alguns times jogam melhor do que os outros, sem depender só de orçamento.”

Entre 2023 e 2025, a Kaspersky descobriu uma vulnerabilidade grave no iMessage e outra no Chrome que permitiam a invasão de aparelhos sem que o usuário clicasse em qualquer programa ou link, que já eram exploradas por bandos russos.

Apesar de já haver uma tensão geopolítica dos americanos com a companhia de cibersegurança, o Google e a Apple reagiram profissionalmente aos alertas da Kaspersky. “Consertaram o problema e nos pagaram.”

O contato de Eugene com os cibercriminosos brasileiros aconteceu ainda nos anos 1990, quando analisava ele mesmo os códigos de vírus e anotações deixadas pelos hackers em seu idioma de origem, encontrando, ora ou outra, o nome do banco Bradesco. “Eu me perguntava o que era aquilo até eu pesquisar e descobrir que era um banco brasileiro”, afirma.

Conhecidas localmente pelos golpes do Pix, as quadrilhas nacionais da internet têm atuação transnacional, como mostrou cooperação da Kaspersky e da Eset (empresa da Eslováquia de cibersegurança que também mantém um grupo de pesquisa no Brasil) com a Polícia Federal e a Interpol para desmantelar um grupo que aplicava fraudes bancárias em 45 países.

De acordo com o russo, o avanço da inteligência artificial deve aprofundar o problema da cooperação entre hackers e cibercriminosos mundo afora. A tecnologia, além de facilitar a superação de barreiras idiomáticas, permite que os programadores adaptem os vírus distribuídos pelos fornecedores aos contextos locais.

Para o fundador da Kaspersky, a IA multiplica o volume de ameaças, uma vez que essa tecnologia ajuda os criminosos a criar uma quantidade massiva de vírus e acelera a procura por brechas de segurança.

Ao mesmo tempo, a empresa de cibersegurança usa a tecnologia para perseguir atividades ilegais na internet desde 2015. “Nós usamos redes neurais para analisar código malicioso, por causa do volume de vírus que nós coletamos –são 400 mil arquivos todos os dias.” Desse total, 1% é encaminhado para análise humana.

O jornalista viajou a convite da Kaspersky.