SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Em uma das noites mais tensas da Guerra da Ucrânia, a Rússia lançou o maior ataque aéreo do conflito contra o vizinho invadido em fevereiro de 2022, matando ao menos 12 pessoas. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, acusou os Estados Unidos de incentivarem Vladimir Putin com seu silêncio ante a violência.
A ação ocorreu nas horas que antecederam a terceira e última leva da maior troca de prisioneiros entre os rivais, sinalizando a disposição de Moscou em manter a pressão militar elevada enquanto se prepara para mais uma rodada de negociações arranjadas pelos EUA.
Os dois lados libertaram 307 prisioneiros de guerra cada, completando a cota de mil pessoas combinada na primeira rodada de negociações, ocorrida na semana retrasada, na Turquia.
A alegria das famílias, em particular na Ucrânia, foi tisnada pelo que o engenheiro Vitali Uchenko, morador de Kiev, relatou por mensagem à Folha como “a pior noite da guerra”. “E isso foi depois daquilo que eu pensava ter sido a pior noite de todas”, disse, referindo-se ao duro ataque da véspera.
Nesta madrugada, Moscou disparou uma barragem inédita, de 298 drones e 69 mísseis, contra quase todas as regiões da Ucrânia. O foco principal foi a capital, que por volta da meia-noite (18h de sábado em Brasília) entrou em um alerta que durou até a manhã. Antes, o mais intenso ataque havia ocorrido em 13 de dezembro, com 287 armamentos empregados.
O estrago aparentemente foi maior na véspera, mas os moradores estavam em choque. Segundo Uchenko, pessoas correram para abrigos e estações de metrô e por lá ficaram, enquanto as defesas aéreas trabalhavam.
O ataque russo foi complexo. Foram registrados ao menos 11 bombardeiros estratégicos no ar, inclusive três modelos Tu-160, o mais poderoso avião da frota russa que raramente participa do conflito. Mísseis de cruzeiro foram também disparados de navios nos mares Negro e Cáspio, além de artefatos balísticos terra-terra Iskander.
A ação veio em ondas, atingindo as regiões de Kiev, Khmelnitski, Mikolaiv, Jitomir, Odessa, Dnipro, Sumi, Konotop, Tchernihiv, Ternopil e Kharkiv. Só na capital, 4 pessoas morreram, e 16 ficaram feridas.
Houve grande tensão na Rússia também. Kiev continuou no sábado o envio de drones ucranianos contra solo russo, campanha que somou mais de 1.500 abates desses aviões-robôs desde a segunda (19), o que levou à retaliação deste fim de semana.
No sábado (24), foram ao menos 110 aparelhos derrubados pelas defesas aéreas russas, o que sugere um número bem maior de drones lançados. Não houve mortes confirmadas, mas ao menos seis dos armamentos tentaram atingir Moscou.
Houve uma revoada de boatos em redes sociais, que incluiu um relato falso de que um jato comercial teria sido abatido por engano. “Comecei a ficar preocupado quando os aviões do governo começaram a levantar voo”, disse também por mensagem o jornalista Mikhail, que pede reserva sobre seu sobrenome.
Ele se referia ao registro, nos sites de monitoramento de tráfego aéreo, de algo entre 9 e 17 voos de aeronaves militares e governamentais para fora de Moscou. Os aviões decolavam e desligavam seus sistemas de localização, gerando ainda mais suspeita. Tudo indica que se tratava de um treinamento.
Mas o impacto da noite, que antecedeu o feriado do Dia de Kiev neste domingo, foi obviamente maior na Ucrânia.
Ao longo deste domingo, alertas de ataque voltaram a soar nos dois países. Três dos quatro aeroportos que servem Moscou foram fechado no meio da tarde (fim da manhã no Brasil), e Kiev decretou alarme de ameaça balística.
Zelenski criticou a política de aproximação de Donald Trump com seu colega russo, buscando negociações. “O silêncio dos EUA, o silêncio de outros apenas encoraja Putin. Cada ataque terrorista desses é razão suficiente para novas sanções contra a Rússia”, escreveu ele no X.
Até aqui, apenas a União Europeia tem ouvido o presidente, tendo implantado novas medidas econômicas contra Moscou na semana passada.
“Os ataques da noite passada mostram mais uma vez a Rússia empenhada em mais sofrimento e na aniquilação da Ucrânia. Precisamos da mais forte pressão para pôr fim a esta guerra”, escreveu na mesma rede social a chefe da diplomacia do bloco, a estoniana Kaja Kallas.
Com os ataques e a troca de prisioneiros, o Kremlin oficializa o morde e assopra que quer imprimir às negociações com os ucranianos. A chancelaria russa disse que deve entregar sua proposta de paz oficial para os ucranianos nesta semana, mas Kiev quer antes de tudo um cessar-fogo.
Putin, por sua vez, só aceita debater isso quando houver um entendimento acerca do que estará à mesa para acabar o conflito. A Europa e Kiev acusam o russo de apenas querer ganhar tempo, melhorando sua posição militar com efeito, o Ministério da Defesa em Moscou anunciou ter conquistado mais cidades no norte e leste do país neste fim de semana.
O presidente russo já disse quais são seus objetivos mínimos: a tomada total das regiões que anexou ilegalmente em 2022 e que não controla totalmente e a neutralidade militar da Ucrânia. Zelenski, que já disse ser impossível ganhar a guerra nas armas, topa a perda territorial, mas quer garantias de segurança externas, que Moscou não aceita, para evitar novos conflitos
Como não conseguiu a proverbial conquista do vizinho em três dias, como previam no Ocidente, Putin precisa entregar para seu público doméstico um acordo que soe como vitória. Zelenski, por sua vez, pode dizer que resistiu aos russos, mas não pode vender qualquer perda como definitiva para não parecer vencido.
A chave da negociação é Trump, que tem se alinhado aos posicionamentos de Putin com frequência, mas já demonstrou impaciência com o russo. Até aqui, o Kremlin tem ditado o ritmo das conversas enfim retomadas, mas se os EUA decidirem endurecer sanções, isso pode mudar.