RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Neste sábado (24), completaram-se três anos da operação considerada a segunda mais letal do Rio de Janeiro, quando 23 pessoas foram mortas em uma operação conjunta das polícias militar e rodoviária federal, na Vila Cruzeiro. Ainda não há denúncia na Justiça para a morte da cabeleireira Gabrielle Cunha, 41, morta dentro de casa por um disparo feito a longa distância.
Procurada, as promotorias estadual e federal, além da Polícia Civil, não responderam se houve alguma conclusão sobre as investigações das outras mortes, consideradas de suspeitos do tráfico. Em fontes abertas, não foram encontrados processos sobre arquivamentos ou denúncias, um indicativo de que as investigações ainda não foram concluídas.
Já a promotoria estadual militar, no entanto, afirmou que, após apuração, constatou que não houve desvio de conduta de policiais militares na ação.
Dos mortos, 16 não tinham passagem pela polícia. Entre os que não tinham mandado em aberto nem passagem pela polícia está o ex-militar da Marinha Douglas Costa Inácio Donato, 23. Ele trabalhava em uma loja de comércio e era pai de um menino de dois meses.
Passados três anos, moradores afirmaram que mais barricadas de concreto foram levantadas pelas ruas, com uso de usuários em drogas que alertam sobre a chegada da polícia.
O local passou a ser base de traficantes de outros estados. Como a Folha mostrou, um deles seria, segundo investigadores, Emílio Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreira, apontado como o mandante da morte de Antônio Vinícius Gritzbach, delator do PCC morto a tiros no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Segundo investigadores, Cigarreira, ligado ao PCC, teria fugido para a Vila Cruzeiro e até teria sido visto no baile Selva, como é chamado o evento em homenagem a Doca, também conhecido como Urso.
A favela é uma das 13 que formam o complexo da Penha. Ela é separada por estradas de terra do complexo do Alemão, distante cerca de cinco quilômetros, e que são usadas como rota de fuga.
Edgar Alves, o Doca, teve o nome fortalecido nesses anos. Segundo alguns familiares, que conversaram em anonimato com a reportagem, não é permitido mais lamentar a morte de supostos traficantes.
“Eles falaram que eu não poderia ficar buscando justiça, porque ele deveria ser visto como um herói que morreu atirando”, disse um parente de um suposto traficante morto em confronto. Segundo o parente, o rapaz teria sido assassinado pelas costas, já desarmado.
Relatório da Polícia Federal, disponível em um processo que pede a transferência de um dos chefes da facção para presídio de segurança máxima, afirma que Doca seria o responsável por planilhas de pagamento da facção, pela aprovação de ordens e pela expansão da quadrilha no Rio de Janeiro. Doca não possui advogado constituído.
Entre as ordens, segundo a PF, Doca revisaria o texto que Arnaldo da Silva Dias, conhecido como Naldinho, supostamente enviou a todas as lideranças do estado, durante uma reunião prévia de ministros do G20, em fevereiro de 2024.
Na mensagem, Naldinho diz que a facção foi procurada por um representante da segurança pública que pedia a diminuição de roubos.
A mensagem, disseminada, de acordo com a investigação, no dia 22 de fevereiro, de fato surtiu uma diminuição de roubos de carros, por exemplo, no estado. Nos sete dias que antecederam a mensagem, houve 1.008 roubos a veículos; já entre os dias 22 e 28 de fevereiro, 940 –redução de 6,7%.
Uma moradora de 41 anos, nascida na Vila Cruzeiro, disse que se mudou ano passado. “Não dá mais para viver em um local em que qualquer denúncia sem provas a gente para em um julgamento do tráfico. Eu passei por isso, porque respondi bom dia, automaticamente, a um policial que estava na entrada da favela”, disse.
Para pagar pelo apartamento no centro da cidade, ela passou a ser ambulante.
Delegados ouvidos pela reportagem afirmam que o crescimento da violência ocorreu devido a intervenções realizadas pelo judiciário, tese rebatida por especialistas.