SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há cinco anos, George Floyd foi assassinado por um policial em Minnesota em uma abordagem que, filmada e postada nas redes sociais, viralizou e deu fôlego renovado à causa de movimentos antirracistas e contra a violência policial. O suposto crime do qual ele foi acusado, o uso de uma nota de US$ 20 falsificada, compõe a estatística que aponta: mais de 6 em cada 10 ocorrências atendidas pelos policiais americanos que resultaram em morte não envolviam crimes violentos no momento da ação.

Estopim para uma das mais volumosas séries de protestos na história recente dos Estados Unidos, a morte de Floyd traçou o retrato de uma tendência histórica do país. As forças policiais matam, em maioria, pessoas que não estão, a princípio, envolvidas em eventos violentos. No último ano, menos de quatro em cada dez chamados acionaram a polícia por esse tipo de crime.

O assassinato de Floyd expôs também a desproporção racial da letalidade policial americana. Embora represente cerca de 12% da população total do país, a população negra é 24% do total de mortos pelos agentes. Pessoas brancas, por outro lado, são cerca de 58% da população e menos de 40% dos mortos.

Essa tendência, segundo o pesquisador Samuel Sinyangwe —responsável pela base de dados Mapping Police Violence—, é anterior a Floyd e, ano a ano, piora. Após a morte de Floyd, no entanto, mesmo sem melhora visível nos números, “houve um reconhecimento generalizado de que há um problema não apenas no policiamento e na justiça criminal, mas até mesmo na sociedade em geral em relação ao racismo e à desigualdade que precisa ser resolvido”, afirma.

Reconhecer a situação passa pela compreensão de um sistema que, segundo Sinyangwe, protege de maneira desmedida o trabalho policial e, também por isso, não vislumbra consequências cabíveis a possíveis abusos de força.

“Pouquíssimos policiais são acusados, muito menos condenados, por matar pessoas, mesmo em casos em que há gravação de vídeo ou em que está muito evidente que eles não deveriam ter usado força. Há muitas proteções para os policiais, e o padrão legal é extremamente favorável a eles.”

É dentro da pequena seara dos casos que resultam em acusação formal aos agentes envolvidos que reside outra desproporção racial —desta vez, inversa à inclinação das mortes. Todo ano, menos de 3% dos casos resultam em indiciamentos ou condenações dos agentes. No comando destes casos estão os promotores: 94% são pessoas brancas, e 3%, negras.

Ao observar as acusações e condenações, o cenário muda drasticamente. Mesmo sendo 1% de todos os promotores do país, as mulheres negras são 8% dos que lideram as acusações em casos de letalidade policial, 11% dos que conseguem a condenação em pelo menos um caso, e 14% em múltiplos casos.

“Isso sugere que muitos desses outros promotores poderiam apresentar acusações, mas simplesmente não estão dispostos a fazê-lo”, diz Sinyangwe. Há conflito de interesses, segundo ele, já que os profissionais que deveriam responsabilizar são os mesmos que, no cotidiano, dependem dos policiais para executar ordens e testemunhar em julgamentos. “Ainda assim, esses promotores conseguem fazer isso várias vezes, de modo que sugere que poderíamos ter muito mais responsabilização se tivéssemos promotores melhores.”

Em comparação com o Brasil, os EUA têm índices bem menores. A taxa brasileira é de 3,1 mortes causadas por policiais a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Anuário de Segurança Pública; a incidência no estado americano com a taxa mais alta, Novo México, é de 1,23.

Entre os estados brasileiros, Amapá (23,6), Bahia (12) e Sergipe (10,4) figuram com as maiores taxas de letalidade em cada 100 mil habitantes. Todos os estados americanos ficam atrás de 20 dos estados brasileiros.

Para Sinyangwe, é possível vislumbrar um futuro melhor para os EUA e para o Brasil. “Acho que as pessoas estão mais conscientes do problema, e há um movimento mais sustentado de pessoas pressionando por mudanças.”