SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O assassinato brutal de George Floyd, em 25 de maio de 2020, motivou protestos massivos dentro e fora dos Estados Unidos, foi tema central em eleições e estimulou debates sobre reformas amplas na polícia americana. Cinco anos depois, porém, a transformação não veio, e ativistas criticam a lentidão dos processos. Agora, sob o governo de Donald Trump, existe temor de que as iniciativas no setor retrocedam por completo.
Floyd, um homem negro, foi sufocado até a morte por um policial branco. “Não consigo respirar”, o pedido de socorro feito várias vezes por ele ao ser asfixiado por nove minutos, virou lema das manifestações contra o racismo. As imagens do agente Derek Chauvin com o joelho sobre o pescoço da vítima, desarmada e já deitada de bruços em Minneapolis, circularam e chocaram o mundo.
Poucos meses após o assassinato, 52% dos americanos disseram acreditar que o aumento do foco em desigualdades raciais levaria a impactos positivos sobre a vida dos negros, segundo pesquisa do Pew Research Center. Mas, no começo deste mês, levantamento da mesma organização mostrou cenário bastante diferente: 72% dos entrevistados afirmaram que tais mudanças nunca ocorreram.
O desalento é explicado, em parte, pelos números de letalidade: a polícia dos EUA matou 1.260 pessoas em 2024, acima das 1.160 mortes contabilizadas em 2020, quando Floyd foi assassinado, de acordo com o projeto Campaign Zero. E no ano passado, 24% dos mortos eram negros, o mesmo percentual de cinco anos atrás. Segundo o censo americano, de 2020, esse grupo racial corresponde a só 12% da população.
Críticos dizem que o ex-presidente Joe Biden, eleito com uma vice negra no mesmo ano da morte de Floyd, não conseguiu converter a mobilização antirracista em um legado duradouro. O democrata tentou implementar uma reforma policial apontada como robusta ainda em seu primeiro ano na Casa Branca, mas a iniciativa foi barrada pelo Senado, no qual seu partido tinha vantagem apertada.
Após o fracasso no Congresso, Biden assinou decreto que determinou mudanças, porém com escopo reduzido e limitado às forças subordinadas ao Executivo. O texto definiu a criação de uma base nacional com registros de infrações para ajudar a rastrear policiais com má conduta, estabeleceu padrões de investigação e mudou procedimentos, incluindo a proibição da técnica de sufocamento para imobilização.
Ainda durante o governo do democrata, o Departamento de Justiça determinou 12 investigações contra corporações acusadas de racismo estrutural, uso excessivo da força e impunidade interna.
No caso de Minneapolis e Louisville, onde, em outro caso emblemático, Breonna Taylor, uma mulher negra, também foi morta em 2020 por um policial durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, os departamentos de polícia chegaram a firmar acordos com o governo federal que obrigavam a implementação de protocolos para transparência, responsabilização e mudança institucional. Também nesses casos, as medidas foram apontadas como pouco efetivas, pois não foram oficializadas por tribunais e puderam ser revertidas com facilidade.
Trump, o atual presidente, anunciou na última quarta-feira (21) o fim do acordo para supervisão federal sobre departamentos acusados de desrespeitar, de forma rotineira, direitos civis dos negros. Ainda determinou a anulação de conclusões sobre violações constitucionais. Harmeet Dhillon, procuradora-geral do Departamento de Justiça, argumentou que a fiscalização federal de polícias locais é um excesso e que a tarefa deve permanecer “com as comunidades locais, não com burocratas” em Washington.
As novas diretrizes não surpreendem. Trump tem cumprido à risca a promessa de eliminar iniciativas relacionadas a questões raciais. E em março, o bilionário Elon Musk, braço-direito do presidente, sugeriu repensar a condenação da Justiça contra Derek Chauvin, o policial que assassinou Floyd.
Chauvin foi condenado a 22 anos e meio de prisão. Os outros três policiais envolvidos na abordagem receberam penas menores. Agora, a defesa de Chauvin avalia apresentar novo recurso à Justiça para reverter a sentença com o argumento de que Floyd não morreu sufocado, e sim devido a uma doença cardíaca agravada por um tumor raro –a Suprema Corte já rejeitou iniciativa semelhante contra a condenação por homicídio.
Várias narrativas sobre o caso e os protestos subsequentes circularam nos últimos anos. E ainda hoje as tensões raciais continuam. Em visita recente a um memorial dedicado a Floyd em Minneapolis, o jornal americano New York Post informou ter testemunhado uma discussão entre Angela Harrelson, a tia da vítima, e Edwin Reed, um empresário local.
Segundo a publicação, o homem também negro disse que estava prestes a perder seu negócio porque a área onde Floyd foi assassinado ficou esvaziada. Ainda afirmou não ter recebido qualquer ajuda do governo para compensar os danos provocados pelos protestos. “O Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] nunca existiu”, disse Reed.
Essa afirmação é contestada, entretanto. Ainda que não tenham ocorrido reformas estruturais profundas após a morte de Floyd, diversos estados e departamentos policiais implementaram proibições a técnicas de estrangulamentos; o uso de câmeras corporais pelos agentes passou a ser obrigatório e houve treinamentos voltados à conscientização sobre racismo.
“Depois que ele foi morto, houve uma conscientização que nunca tinha visto antes”, disse Angela Harrelson, a tia de Floyd, ao jornal The New York Times. “Era quase um tabu falar sobre racismo.”