SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de uma hora de set de A.G. Cook, que levou sua música distorcida e futurista para a tenda do C6 Fest no começo da noite deste sábado (24), assistir ao show da banda americana Gossip, que veio em seguida, foi como ver um círculo musical completo se desenhar.
Se o produtor inglês incorpora parte do que há de mais interessante na produção musical contemporânea –ele é parceiro musical de Charli xcx e produtor de “Brat”, do ano passado–, o Gossip mostra algo de fundamental do que aconteceu na cena indie da virada do milênio.
“Nós não somos os Pretenders, somos o Gossip, vocês sabem, né? Vocês estão vendo o show errado”, disse no começo do show a vocalista Beth Ditto, vestida de oncinha, depois de cantarem “Listen Up!”, recebida por gritos e aplausos. A banda clássica, criada na década de 1970, tocava simultaneamente no outro palco do festival.
Ver a artista e seus companheiros de banda no palco é, por si só, observar uma história ser contada. A presença e os vocais rasgados de Ditto dizem muito sobre o momento e o lugar em que o grupo surgiu –no comecinho dos anos 2000, na cidade americana de Olympia, que uma década antes era berço do movimento punk feminista riot grrrl.
O som, que mistura indie rock, pop, punk e música eletrônica, é retrato da criação de uma cena que resultaria em bandas hoje tidas como fundamentais na história da música.
Nessa viagem ao passado, é a vocalista que ajuda a criar o elo com o presente. Ditto esteve na vanguarda dos movimentos queer e body positive quando esses discursos ainda eram pontuais na cena.
Hoje, a sensação é a de que sua própria história já dá conta de passar essas mensagens sem que ela precise falar qualquer palavra. Tudo pode ser ocupado pelo carisma, voz e presença de palco de Ditto e a qualidade das versões da banda ao vivo.
Ao longo do show, ela contou casos –como o de uma garota de São Paulo que bateu em sua bunda, ensinando para ela o significado de uma palavra em português–, cantou descalça, fez piadas sobre seu cabelo com um copo de bebida na mão, conversou com o público, citou várias bandas que tocaram neste sábado no festival.
Mas a música feita pelo grupo também faz essa conexão política em alguns momentos. Ela dedicou “Yr Mangled Heart” às riot grrrls e à comunidade queer e cantou com o público “Standing in The Way of Control”, lançada como um protesto contra a tentativa de proibição do casamento de pessoas do mesmo sexo por George W. Bush.
Hoje, a faixa é cantada com Ditto levantando uma bandeira LGBTQIA+ e com seu país sob a administração de Donald Trump, que mira essa mesma comunidade –e colada a um trechinho de “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana.
No fim dela, a artista descreveu os EUA como um “show de merda”, cheio de pessoas sentindo medo. “Às vezes eu não sei o que dizer, mas eu acredito no poder do amor e da conexão. Ninguém vai nos salvar a não ser nós mesmos”, disse.
A música da banda agradou o público do festival especialmente quando celebrou seu auge, com os álbuns “Standing in the Way of Control”, de 2006, e “Music for Men”, de 2009. São músicas poderosas como “Love Long Distance”, “Men In Love” e “Heavy Cross”, que se tornaram hinos da adolescência e começo da vida adulta de quem, hoje, assiste à apresentação imerso em nostalgia.
Mas as canções mais novas de “Real Power”, do ano passado, também chegam bem ao setlist. O disco, lançado 12 anos depois “A Joyful Noise”, encerrou o hiato do grupo e reconectou o trio em um momento em que Ditto se sentiu artisticamente emperrada em sua carreira solo e procurou seus antigos companheiros.
Em sua terceira edição, o C6 Fest já ganhou a reputação de criar uma atmosfera especial para fãs de música, especialmente na tenda onde o Gossip tocou hoje –foi assim com Cat Power e Pavement no ano passado, por exemplo.
Com a apresentação, o primeiro dia de evento coroou o espaço também como um ponto de encontro de um público que viveu a era indie nos anos 2000 com bandas como Gossip e agora embarca em novas experimentações musicais como as de A.G. Cook e Perfume Genius, que tocaram antes.
Enquanto o público andava devagar em direção ao outro palco para assistir ao show do Air, Ditto reapareceu na parte de trás do palco, mandando beijos para quem tinha visto seu show.