SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Andando na rua/ Batendo em quem não se move/ A tropa UCBR/ Chutando os bebê reborn”. Essa música da chamada União Chuta Bebê Reborn já está viralizando nas redes sociais. Mas aqui, no encontro das mães reborn no parque Villa-Lobos zona oeste de São Paulo, neste sábado (24), a canção despertou surpresa, receio e indignação.

“É um movimento odioso, odioso mesmo, de homens, que falam que, se encontrarem uma mãe com reborn, eles vão fazer e acontecer. Esse movimento está crescendo no Instagram”, diz Andréa Janaína Mariano, 51, no primeiro encontro que ela organizou desde que o início de abril, quando os “bebês reborn” se tonaram o novo saco de pancadas da internet brasileira.

Janaína é uma artista reborn, ou cegonha, como é conhecida no meio as vendedoras de bebês. Ela compra bonecos inteiramente brancos por cerca de R$ 200 em sites como Alibaba, e os pinta com quatro ou cinco camadas de diferentes cores de pele (a gosto da freguesa), insere cabelos e sobrancelhas (feitos de pelo de cabra) e os revende por cerca de R$ 800 um mês depois.

O encontro deste sábado, aliás, quase não aconteceu. “Eu fiquei com medo, aí eu cancelei. Medo das represálias, né? De a gente ser xingada. Mas aí o pessoal falou, que a gente não tem que se esconder, a gente não está fazendo nada de errado, né? Aí eu voltei atrás”, conta ela. “No Instagram, ficam mandando a gente para clínicas psiquiátricas.”

Nane Reborns, ou Elaine Alves, é talvez a principal responsável por esse bafafá todo. Lea não é cegonha, mas sim colecionadora (há 20 anos) e influencer (recebe entre R$ 2.000 e R$ 7.000 do Tiktok a cada mês).

Em 31 de março, Elaine postou um vídeo no Tiktok contando que havia sido chamada de maluca por uma senhora no shopping ABC Plaza. “Ela já chegou perguntando, isso é coisa de gente certa da cabeça? E aí eu fui explicar para ela que eu era colecionadora, que eu faço vendas, que é um hobby, que eu vejo como boneca, eu expliquei. Mas ela estava querendo me atingir, sabe?”, afirma.

O vídeo viralizou imediatamente (hoje está com 18,9 milhões de visualizações) e ela foi procurada dias depois para sua primeira entrevista, pelo jornalista Chico Barney, do UOL.

Na semana seguinte, o padre Fábio de Mello publicou que havia “adotado” uma reborn com síndrome de Down nos Estados Unidos. Depois disso, o assunto tomou as redes.

Começaram a pipocar notícias de mães reborn levado seus bebês para serem vacinados em UPAs, casais brigando judicialmente pela guarda das bonecas e ainda e uma reação de políticos de direita protocolando 25 leis projetos de lei pelo país para proibir o atendimento dos reborn em unidades de saúde pública.

Boa parte dos haters confunde o fato de que as algumas proprietárias de reborn agem assim para conseguir engajamento e não porque acreditam que seus bebês merecem uma injeção de vacina de verdade nos bracinhos pintados.

No entanto, Maria Aparecida Alonso, 62, teve uma experiência mais profunda com as bonecas. Em 2010, seu marido teve dois AVCs, entrou em coma e passou a ser cuidado pela mulher. Sete anos depois, a mãe de Alonso morreu e uma depressão que já vinha incipiente se agravou.

“Fiquei cinco ano sem sair de casa, nem ao mercado eu ia. Aliás, nem telefone ou interfone eu atendia. Tomava cinco remédios por dia e não sentia efeito nenhum”, conta ela. “Um dia, há três anos, meu filho me convenceu a dar um passeio pelo Parque Ibirapuera e foi quando eu me deparei com esse encontro da Andréa Janaína. E eu me aproximei, comecei a conversar, pedir algumas informações, admirei a arte, fiquei encantada.”

“Meu filho me olhou de longe e falou, ‘mãe, os seus olhos estavam tão lindos, tão brilhantes´. Um mês depois, ele me deu uma caixa e eu me deparei com um ‘bebê reborn’ e foi assim, muito emocionante, muito. Eu chorei, sabe? Extravasei mesmo. Hoje tomo apenas um antidepressivo e só falta a coragem de voltar a dirigir para que eu volte a ser como era antes.”

O evento deste sábado contou com cerca de 50 mães reborn, mas para quem passava pelo parque pela manhã, o que mais chamava a atenção era a quantidade de pessoas com câmeras e luzes entrevistando as mães.

Três agências internacionais escalaram profissionais para a cobertura: a Associated Press e a espanhola EFE enviaram, cada uma, três pessoas: um repórter, um fotógrafo e um cinegrafista. “A matéria será distribuída para jornais de fora do Brasil”, explicou um deles. A Reuters mandou um fotógrafo.

O SBT escalou a jornalista Magdalena Bonfiglioli e um cinegrafista. A Marie Claire, uma repórter. O site de Bacci Notícias, exclusivo do Instagram, também tinha um representante. E a blogueira sem sucesso Renata Brant também compareceu com uma cinegrafista.

Nove estudantes aproveitaram a polêmica e o encontro para realizarem trabalhos para a faculdade: cinco alunos de publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), três de jornalismo da Faculdade Paulus de Comunicação (Fapcom) e um de psicologia da Universidade Cruzeiro do Sul.

Com o assunto na crista da onda, as mães se dividem entre achar toda essa polêmica boa ou ruim. Para Nane Reborns, o resultado será positivo no final.

“Olha, se eu falar que eu não gostei, eu estaria mentindo. Eu gostei, sim. Eu acho que a arte reborn merecia. Muita gente chegou e eu acredito que as coisas acontecem muito rápido. Daqui a pouco, esses haters vão achar outra coisa para ir lá atacar. E a gente vai ficar, vai continuar.”