SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Carros elétricos estão mais comuns nas ruas de grandes cidades brasileiras, refletindo a crescente preocupação com o efeito da queima de combustíveis fósseis na aceleração do aquecimento global. A infraestrutura necessária para manter esses novos veículos, porém, reproduz desigualdades históricas nas principais capitais do país.

Estudo realizado pelos institutos ZeroCem e Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Faculdade de Economia e Administração) mapeou a distribuição de carregadores para carros elétricos em locais públicos de Belém, Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

Eletropostos estão em distritos em que a renda dos moradores é mais alta. Esses bairros também possuem a maior concentração de pessoas brancas.

Em todas as cidades analisadas, os setores de menor renda estão em média 2,3 vezes mais distantes de um carregador do que os setores de maior renda.

Essa medição de distância tomou como base os setores censitários do IBGE do Censo de 2010, que possui uma classificação dos residentes em cinco grupos, chamados quintil de renda.

Como as informações dos setores censitários possuem recortes de renda e racial, os pesquisadores usaram essas classificações para analisar as características das pessoas assentadas e a distância entre seus distritos de residência e os postos de carregamento de veículos elétricos.

Atualmente, não existem bases públicas consolidadas com dados sobre a localização de estações de recarga e carregadores de veículos elétricos, sejam essas públicas ou privadas.

Para localizar os carregadores, os pesquisadores extraíram de mapas que agregam múltiplos dados atualizados online, o Open Street Maps e o Google Maps. Essas fontes foram utilizadas porque ainda não existem bases públicas consolidadas com a localização de estações de recarga no Brasil.

O mapa produzido pelos pesquisadores sobre os pontos de concentração dessas estações na cidade de São Paulo ilustra o resultado da análise. Com raras exceções, os postos estão no chamado centro expandido, área demarcada por um anel viário formado pelas marginais dos rios Pinheiros e Tietê e outras grandes avenidas da capital.

Além disso, os equipamentos possuem concentração ainda maior sobre o chamado quadrante sudoeste da capital paulista. É no eixo entre as zonas sul e oeste que estão bairros como Moema, Vila Nova Conceição, Pinheiros e Jardins, alguns dos mais valorizados de São Paulo.

Com quase 1.500, São Paulo concentrava aproximadamente um terço dos cerca de 4.600 carregadores elétricos no país no período da coleta das informações, em fevereiro de 2024, segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos. A associação não possui, porém, uma base sobre a localização dos eletropostos em locais públicos.

Uma das principais finalidades da pesquisa é avaliar se a transição energética está ocorrendo de forma justa e, ao escolher a mobilidade para fazer essa análise, o trabalho mirou um dos setores com maior impacto ambiental, diz Fernando Tulio, diretor do instituto ZeroCem e professor no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça.

“Ao olhar para a desigualdade, a gente descobriu que há concentração de recarga nas áreas historicamente privilegiadas. Nas periferias, a disponibilidade é infinitamente menor. É um modelo de transição energética que não contempla o aspecto da justiça”, comenta o pesquisador.

Avaliações realizadas pelos pesquisadores quanto aos planejamentos urbano e de enfrentamento das mudanças climáticas das cidades também apontam que o poder público municipal ainda menciona carros elétricos de forma limitada e genérica, mas, por outro lado, há uma série de incentivos fiscais, especialmente nas esferas federal e estadual, para a comercialização de automóveis com a nova tecnologia.

Um contexto que faz os pesquisadores concluírem que a eletrificação da frota particular não é a solução para as emissões no setor de transporte, diz Luiza Nassif Pires, co-diretora do Made e professora do Instituto de Economia da Unicamp.

“Medidas como redução ou isenção de IPVA, dado que pessoas os consumidores estão no topo da distribuição, consequentemente esse tipo de política passa a ser regressiva”, afirma Luiza.