RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Sob o céu nublado, o gerente Renato Cavalcanti, 40, desmontava com cuidado as artes da barraca onde trabalha, no posto 9 em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro. O letreiro chamativo, e os banners que ajudavam os clientes a identificar o ponto estavam sendo retirados nesta sexta-feira (23), em cumprimento ao novo decreto da prefeitura, que entra em vigor no próximo dia 31 com 16 proibições para a orla carioca.

“Agora o cliente vai se perder, não haverá mais referência. A gente está tentando se adaptar, fazendo a nossa parte. Mas falta diálogo. Ninguém veio perguntar como isso nos afeta, se dava para chegar num acordo. Somos quatro aqui na barraca, todo mundo com família, contas. A gente só quer trabalhar”, afirma.

Entre as novas regras, a que mais preocupa os barraqueiros é a que proíbe nomes, bandeiras e slogans nas barracas. A partir do fim do mês, elas só poderão ter numeração. A prefeitura justifica a mudança como forma de reduzir a poluição visual e combater a apropriação indevida do espaço público.

Rodrigo Cardoso, 30, que gerencia duas barracas entre os postos 9 e 10 —conhecidas como Barraca do Julio e Barraca do William—, também se preocupa com a perda de identidade.

“Fomos pegos no susto. Eles querem fazer uma mudança muito rápida. Como nossos clientes vão nos identificar?”, questiona Rodrigo que trabalha na orla desde 2011. “Sou a favor de ordenar algumas coisas, como a música alta e o vidro na areia, mas tirar a identificação da barraca compromete a funcionalidade do nosso trabalho. Deveriam focar é na segurança. Ontem mesmo passou um grupinho levando celulares aqui.”

As barracas que Rodrigo gerencia exibiam nomes e decorações inspiradas em times de futebol. Ele teme que a falta de referências visuais desestimule a clientela.

O decreto publicado na última sexta proíbe ainda caixas de som, grupos musicais, cercadinhos, massagens, jogos fora de áreas delimitadas e carrinhos de ambulantes no calçadão. A venda de bebidas em garrafas de vidro também está vetada. Para os quiosques, a prefeitura sugeriu o uso de copos para evitar a circulação do material na areia.

Rodrigo concorda com a restrição, mas aponta efeitos colaterais. “Quando colocamos bebida destilada em garrafa de plástico, o cliente desconfia. A bebida muda de sabor. Isso afeta a credibilidade, mas, tudo bem, entendemos o risco.”

Para Carlos Henrique, 61, que trabalha como vendedor há décadas nas praias de Ipanema e Leblon, falta critério na escolha das restrições. “No que isso vai impactar de bom? Para quem? Os bares aqui podem ocupar calçada inteira, ter cor, publicidade. A gente não? Qual a lógica? A maioria das barracas aqui é cuidadosa, só monta guarda-sol quando o cliente pede. A propaganda é a alma do negócio. Sem visual, perdemos a identidade.”

A mudança já é sentida por quem frequenta a orla. Uma família do Ceará, acostumada a se posicionar na altura da bandeira do estado próxima ao posto 9, lamentava a retirada do símbolo. “Era a nossa referência quando vínhamos ao Rio. Agora ficamos na dúvida se era o mesmo lugar”, disse uma das integrantes do grupo.

A Secretaria Municipal de Ordem Pública afirma que objetivo é reduzir a poluição visual, garantir segurança e preservar o espaço público, para assegurar “uma convivência mais harmoniosa” entre frequentadores e trabalhadores.

Para o arquiteto e urbanista William Bittar, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), as medidas podem até contribuir para melhorar a convivência no espaço público, desde que haja debate e isonomia na aplicação das regras.

“Um decreto como esse deveria ser discutido com todos os segmentos interessados. Não apenas para o contribuinte que não participou dessas decisões. Alguns problemas existem há décadas. Por que só agora houve essa medida? A quem interessa?”, diz. “A permanência de carrinhos de transporte de mercadorias em áreas públicas, por exemplo, precisa ter critérios bem definidos. E a prática dos ‘cercadinhos’ será proibida também aos hotéis?”

Segundo Bittar, é possível organizar o espaço público sem eliminar os elementos de identidade das barracas. “É possível fazer uma padronização dos elementos de identificação nominal sem comprometer os aspectos estéticos nem criar desordem.”