SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano após a interdição do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, o fluxo de passageiros se aproxima da retomada, ainda com registros inferiores ao período pré-enchente. A reconstrução do terminal, que teve 75% da pista invadida pela água, está completa, mas uma eventual cheia do padrão visto em 2024 acometeria estruturas do local da mesma forma.

Fechado por 171 dias, o aeroporto deixou de receber cerca de 3,3 milhões de pessoas no ano passado, considerando a média de 4 de maio a 20 de outubro (período em que ficou sem operar) dos dois anos anteriores.

Dados da Anac (Agência Nacional da Avião Civil) analisados pela Folha de S.Paulo mostram que o número de voos e de passageiros dos três primeiros meses de 2025 está abaixo do patamar médio dos trimestres de anos anteriores, desconsiderando o período da pandemia.

A suspensão por cinco meses de um aeroporto internacional é um marco sem precedentes na história da aviação brasileira. Além da ausência de passageiros, o Salgado Filho deixou de movimentar cargas, gerando uma queda de quase 80% no fluxo comercial de importação e exportação.

Os sete terminais gaúchos e os três catarinenses que serviram de malha emergencial alternativa comportaram parte da demanda do aeroporto da capital. Essas rotas receberam só 67% do total de passageiros que o Salgado Filho registrou em período equivalente do ano anterior, quando estava aberto, segundo análise da Folha de S.Paulo. Considerando que parte desses 67% não tinham Porto Alegre como destino final, o índice deve ser menor.

O custo total para a reconstrução do aeroporto foi de cerca de R$ 560 milhões, segundo a Fraport, empresa alemã dona da outorga desde 2017.

Em agosto de 2024, uma medida cautelar permitiu o repasse de R$ 424,7 milhões à concessionária, sendo R$ 362 milhões destinados à reconstrução e R$ 62,7 milhões à manutenção das atividades. O reequilíbrio econômico-financeiro do contrato entre companhia e governo federal ainda está em discussão.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Andreea Pal, CEO da Fraport no Brasil, afirma que, passado um ano da tragédia, o Salgado Filho foi totalmente recuperado, e a operação não sofre qualquer tipo de restrição.

Segundo ela, o terminal ainda sente o impacto da pandemia, que paralisou o setor. A expectativa é de que o número de passageiros retome ao patamar de 2023 até meados do ano. O atual cenário da aviação mundial, que registra falta de aeronaves, peças e profissionais, também impacta o movimento.

Pal afirma que há lentidão do poder público para terminar as obras de prevenção a enchentes em Porto Alegre. “A cidade tem um projeto, a gente está seguindo, mas, em um ano, não aconteceu tanta coisa. A gente foi muito mais rápido aqui no aeroporto.”

“Temos um dique que, se não tivesse sido praticamente destruído por construções ilegais, deveria ter parado a água. Temos estações de bombeamento, temos uma série de medidas que, se funcionassem, teriam evitado [a inundação]”, afirma.

Para Fernando Mainardi Fan, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, se chover nos parâmetros de maio do ano passado, a área do aeroporto será comprometida da mesma forma.

“Os diques da zona norte, que são o da Fiergs e o do Sarandi, na região do aeroporto, ainda não foram reconstruídos, e eles precisam ter uma cota mais elevada do que a do centro da cidade”, afirma. Acrescenta, ainda, dois problemas hidráulicos dos arredores: um dique furado durante a instalação de um trilho de trem nunca foi recuperado, e uma importante avenida da região foi rebaixada para se ligar a uma rodovia federal, deixando a área numa cota mais baixa do que a necessária.

Em nota, o governo do Rio Grande do Sul afirmou que foram investidos mais de R$ 7,3 bilhões na reconstrução do estado. De acordo com a gestão de Eduardo Leite, intervenções de maior porte, como os sistemas de proteção de cheias, demandam mais tempo e maior aporte de recursos.

“O governo do RS ressalta que, no final de 2024, foram disponibilizados R$ 6,5 bilhões pela União para esses projetos. Eles são geridos em conjunto pelo estado e pela União. O andamento é considerado adequado”, escreve o governo, acrescentando que obras dos diques de Porto Alegre são de competência da prefeitura, somente.

Procurado, o Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos), autarquia municipal, disse que o reforço no sistema de proteção contra cheias depende da efetivação de procedimentos administrativos.

“Para que as intervenções aconteçam, é necessária a elaboração de estudos, projetos e abertura de licitações –processo que, naturalmente, reduz a velocidade das melhorias quando comparado à iniciativa privada”, disse em nota.

Ainda de acordo com o Dmae, todas as casas de bombas da cidade estão em funcionamento e tiveram a operação reforçada, e o dique da Fiergs, localizado na zona norte, onde fica o aeroporto, está passando por elevação de cota e será concluído em junho.

No entanto, o dique do Sarandi teve as obras paralisadas por decisão da Justiça para reassentamento de famílias que vivem sobre ou junto à estrutura. Segundo o órgão, as intervenções serão retomadas assim que o processo for concluído.

Para Mauricio Pontes, assessor-executivo da Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil, as concessionárias precisarão manter uma vigilância constante diante de eventos climáticos cada vez mais extremos.

“Não é incomum termos inundações em aeroportos, pois o material é concretado. Sempre que há desastres naturais, coisas do tipo acontecem, por mais que tenham sido feitas medidas de mitigação. Os fenômenos meteorológicos estão se agravando de forma frequente.”

Ele afirma que, sobre a operação atual no Salgado Filho, não há reclamações de pilotos que usam a pista reconstruída.

Alguns projetos foram reavivados depois da crise do ano passado, mas ainda estão no campo da discussão. Eduardo Teixeira Farah, presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico e Aeroespacial da OAB/RS, integra um comitê formado por alguns empresários que tentam promover a construção de um aeroporto internacional em Portão, a cerca de 40 minutos de carro da capital gaúcha. A ideia tem mais de 15 anos e voltou a ser ventilada porque a região é alta e não sofreu com as chuvas.

O projeto foi apresentado para a Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul e chegou a ser debatido no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Fábio Rogério Carvalho, CEO da ABR (associação que reúne concessionárias), afirma que se o aeroporto ainda fosse de administração pública, a recuperação teria sido mais lenta por trâmites como licitações.

“A iniciativa privada trouxe uma agilidade, uma expertise, uma efetividade maior. Não que isso seja um demérito do público, são questões de contorno mesmo. Diante da atuação em outros países, a Fraport teve um repertório mais diversificado para implementar”, afirma.