BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal no Amazonas determinou, em decisão proferida na noite da quinta-feira (22), que o governo do estado deixe de emitir novas licenças ambientais para o empreendimento privado de gás e petróleo em expansão numa área de floresta, na região das cidades de Silves (AM) e Itapiranga (AM). A Eneva é a dona do empreendimento.
Conforme a decisão, a suspensão das novas licenças deve ocorrer enquanto a empresa não fizer consulta livre aos povos indígenas e extrativistas da região, como determina convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) da qual o Brasil é signatário.
Outra condição estabelecida para que novas licenças voltem a ser expedidas pelo órgão do governo do Amazonas -o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas)- é a realização de um ECI (estudo de componente indígena), que deve ser analisado pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
O órgão do governo federal também precisa concluir os estudos sobre a possibilidade de presença de indígenas isolados na região, segundo a decisão da juíza Mara Elisa Andrade, da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária em Manaus.
A ordem da juíza, para paralisação de novas licenças, diz respeito ao complexo do Azulão, e abarca licenças prévias, de instalação e de operação.
A Eneva fica obrigada também a suspender, de forma imediata, a operação de poços na área sobreposta ao território indígena Gavião Real. A empresa também não pode impedir a atividade tradicional de indígenas e ribeirinhos.
Em nota, a Eneva afirmou que ainda não foi notificada sobre a decisão judicial.
“A companhia reitera que seus procedimentos de licenciamento ambiental seguiram todas as etapas necessárias, incluindo a realização de audiências públicas e a expedição de licenças de instalação e operação conforme as exigências legais”, disse.
O governo do Amazonas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Eneva e Ipaam devem prestar as informações solicitadas em um laudo de perícia feito pelo Centro Nacional de Perícia da PGR (Procuradoria-Geral da República), como consta na decisão. O documento de 64 páginas, assinado em 28 de março por três peritos, foi protocolado pelo MPF na Justiça Federal no Amazonas.
Uma ação pede a suspensão do licenciamento -feito pelo governo do Amazonas, e não pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)- e da exploração de poços sobrepostos a comunidades. O MPF pediu, no dia 16, que Eneva e Ipaam sejam obrigados a apresentar as informações sobre os pontos levantados no laudo.
A juíza admitiu a inclusão de novas “questões de fatos” e de novos documentos, relacionados à possibilidade de presença de indígenas isolados na região.
O MPF recomendou que a Funai interdite o uso da área onde há indícios de presença de indígenas isolados. O local está a 31 km, em linha reta, do empreendimento de prospecção de gás natural e petróleo.
O empreendimento da Eneva é o maior na área de exploração privada de gás e óleo na amazônia. A empresa tem faturamento bilionário e estruturou um sistema com dezenas de poços, quilômetros de gasoduto e termelétricas em uma área de floresta preservada e recursos hídricos fartos.
A Eneva obteve licenças do Ipaam para perfuração de 29 poços de gás (18 somente em 2023). As autorizações incluem um gasoduto com 32 km de extensão e a construção de usinas termelétricas.
No campo de Azulão, a empresa busca explorar 14,8 bilhões de metros cúbicos de gás. No campo mais recente, o Tambaqui, a expectativa é de exploração de 3,6 bilhões de metros cúbicos de gás, com quase 14 milhões de barris, segundo relatórios da Eneva.
A exploração de combustível fóssil pela floresta está em expansão. A companhia tem BTG Pactual, BW Gestão de Investimentos, Dynamo e Partners Alpha em sua estrutura societária.
A perícia feita pelo MPF afirma que o empreendimento subdimensionou danos ambientais, apontou uma área de influência irreal e deixou de prever o impacto climático do combustível fóssil explorado.
O laudo diz que a área de influência direta e indireta do empreendimento, definida no EIA (estudo de impacto ambiental), não é adequada, sem “critérios claros” e com “homogeneidade forçada”. No caso da influência direta, a faixa traçada foi de 2 km a partir dos gasodutos, segundo o laudo.
No gasoduto de Coari (AM) a Manaus, relacionado ao empreendimento da Petrobras, a área de influência direta foi estabelecida em 10 km para um dos lados, com distância variável no outro lado, limitada ao rio Solimões, compara a perícia.
“Na delimitação da área de influência houve a exclusão da maior parte das bacias hidrográficas em que se inserem os corpos d’água diretamente afetados pelo empreendimento”, cita o documento, que aponta o descumprimento de uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). “A área de influência deveria abranger essas bacias hidrográficas.”
Segundo o MPF, ao longo do Lago Canaçari há relatos de dezenas de comunidades ribeirinhas sobre contaminação da água superficial e subterrânea, além de limitação a acordo de pesca previamente acertado.
Tanto os relatos de contaminação quanto os demais apontamentos da perícia foram citados na decisão judicial que determina a paralisação de novas licenças.
Segundo a Eneva, os procedimentos de licenciamento seguiram todas as etapas necessárias, incluindo a realização de audiências públicas e a expedição de licenças de instalação e operação conforme as exigências legais.
A exploração de gás contribui para a redução de emissões de gases de efeito estufa, disse a Eneva, pois abastece uma termelétrica em Roraima que substitui usinas a diesel. Nos últimos dois anos, isso evitou a emissão de mais de 300 mil toneladas de CO2, conforme a empresa.
A empresa diz ainda que não foram identificadas comunidades tradicionais indígenas ou quilombolas nas áreas de influência das operações no campo de Azulão, conforme bases oficiais da Funai e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).