CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Onde estão os gays e as lésbicas matando pessoas, dirigindo cadilaques ou perseguindo assassinos? Era isso que Ethan Coen e Tricia Cooke se perguntavam antes de produzir “Garotas em Fuga” no ano passado e, agora, “Honey Don’t”, que estreia no Festival de Cannes.
No antecessor, a personagem de Margaret Qualley colecionava pretendentes e brinquedos sexuais, enquanto sua amiga era encalhada, ou seja, não conseguia se envolver com nenhuma mulher. As duas embarcam em uma viagem rumo à Flórida, mas são perseguidas depois de alugarem um carro com a mercadoria de bandidos por engano.
Agora, a atriz é Honey, investigadora particular de uma cidade desértica no interior dos Estados Unidos. O papel mais simpático de Qualley contrasta com a sua personagem em “A Substância”, que concorreu à Palma de Ouro no ano passado para depois embarcar na corrida do Oscar. No filme, ela dava vida ao clone jovem de Elisabeth Sparkle, que carcomia um pouco de seu corpo cada vez que decidia ficar viva por mais tempo que o permitido pela misteriosa substância verde.
Sensual e destemida, como costumam ser os protagonistas masculinos nos filmes de ação, Honey equilibra a rotina entre o trabalho e seus encontros sexuais com mulheres diferentes. Também apoia a irmã, que tem vários filhos e vive em uma casa humilde.
Quando uma mulher morre em um acidente de carro, Honey se vê envolvida em um complexo esquema de assassinatos. Seu principal suspeito é um pastor que se aproveita de mulheres vulneráveis, interpretado por Chris Evans, e que curte um sadomasoquismo na cama. Ao mesmo tempo, ela começa a se envolver com a policial MG, vivida por Aubrey Plaza.
Além de violento e sensual, o absurdo das situações na cidadezinha acrescenta humor ao roteiro. Há ainda um comentário por trás dos papéis relegados às mulheres em cidades conservadoras.
A irmã de Honey, por exemplo, está sempre descabelada enquanto tenta dar conta de todas as crias e da casa ao mesmo tempo, enquanto o marido mal aparece. A sobrinha de Honey se envolve com um garoto que bate nela e, ainda assim, ela se recusa a terminar o namoro. Cabe a Honey, claro, dar uma lição ao rapaz. Por não se atrair por homens, ela parece ser a única imune, além de MG, ao destino pouco simpático que a cidade reserva às personagens femininas.
Apesar do último filme ainda não estar confirmado, “Honey Don’t” é o segundo longa de uma trilogia de “filmes B lésbicos”, como já classificou o próprio Coen.
“Garotas em Fuga” foi o primeiro filme do diretor sem o irmão, Joel. Juntos, os irmãos Coen se tornaram ícones do cinema independente americano com seus personagens excêntricos, histórias caóticas e narrativas pouco lineares.
Quando se separou do parceiro, Ethan decidiu trabalhar com sua mulher, Cooke, que é lésbica. Os dois são casados no papel, mas mantém relacionamentos fora do casamento.
Foi Cooke quem deu a ideia das protagonistas serem lésbicas, para variar as narrativas disponíveis no cinema -geralmente, filmes com essas personagens são romances dramáticos de época, ou não acabam bem. “Honey Don’t” não se leva tão a sério e, ainda assim, transmite com leveza signos da comunidade queer-como, por exemplo, o clima dentro de um bar lésbico, ou a dinâmica entre um casal de mulheres.