SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) decidiu afastar ao menos 25 diretores de escola sob o argumento de que eles não teriam garantido a melhora do aprendizado dos alunos em avaliações externas, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Os diretores foram chamados para uma reunião nesta quinta-feira (22) e comunicados de que estão convocados para participar até o fim do ano letivo de um programa de “requalificação”. Ou seja, ficarão afastados do cargo de direção das unidades durante esse período.

A convocação dos diretores para o curso e o afastamento das atividades nas escola foi publicada no Diário Oficial do município nesta sexta-feira (23).

O afastamento compulsório dos diretores gerou preocupação entre os professores da rede e acadêmicos que trabalham em parceria com escolas municipais, já que afirmam não haver critérios claros para a escolha das unidades, além de defenderem que a decisão desconsidera outros resultados educacionais importantes obtidos por essas comunidades escolares.

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação disse que se trata de uma ação inédita na rede de ensino paulistana. Informou que os 25 diretores afastados atuam há pelo menos quatro anos nas unidades e que estas foram selecionadas “devido ao desempenho obtido no Ideb e Idep” -este último é o indicador do município.

A secretaria não informou, no entanto, qual foi o critério de desempenho utilizado já que essas escolas não têm os piores indicadores da cidade.

Um dos diretores afastados, por exemplo, é da EMEF Espaço de Bitita, no Canindé, zona norte da capital. A escola registrou um Ideb de 4,8 nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) –abaixo da média de 5,6 da rede municipal.

A unidade, no entanto, conta com especificidades que influenciam nos resultados. A escola tem alta proporção de alunos recém-imigrados de outros países, muitas vezes sem ter aprendido a falar português. O que consequentemente impacta de forma negativa as avaliações externas.

A Emef Espaço Bitita já ganhou prêmios nacionais pelo trabalho pedagógico que desenvolve. Também foi convidada pela Unesco a se tornar uma escola parceira por ter um projeto considerado inovador.

Cláudio Marques, diretor afastado da Espaço Bitita, conta que entrou na unidade em 2011, quando 10,5% dos cerca de 500 alunos eram filhos de imigrantes. Ele conta que, neste ano, eles chegam a 40% dos matriculados.

“As crianças chegam na escola e muitas vezes precisam aprender a falar português. Nós acolhemos esses alunos, com todas as vulnerabilidades que eles trazem. O Ideb aponta o problema de aprendizado, mas ele não identifica a origem desse problema. Nós, que estamos na escola, sabemos exatamente qual é e não e trata de um problema pedagógico, mas um contexto muito mais desafiador”, diz.

Com mestrado, doutorado e pós-doutorado em educação na USP, Cláudio questiona a efetividade de seu afastamento do cargo para fazer um curso da secretaria.

“O que vão me ensinar nessa formação dialoga com a realidade que eu vivo na escola? O prefeito e o secretário de educação nunca pisaram na escola Espaço Bitita, será que eles sabem qual é o contexto em que vivem nossos alunos?”, questiona.

Silvia Regina Rocha é mais uma das diretoras afastadas. Ela exercia o cargo na emef Campos salles, em Heliópolis, na zona sul da capital. Localizada em uma das regiões mais vulneráveis da cidade, a escola recebeu um prêmio do Ministério da Educação pelo projeto pedagógico inovador.

“Nosso Ideb pode não ser alto, mas ele não é um retrato da nossa escola. Temos um contexto educacional desafiador, as crianças vivem em grande vulnerabilidade, sem direitos sociais garantidos e isso não foi considerado na decisão da prefeitura”, diz Silvia.

Ela conta que a escola está desde o início do ano com déficit de ao menos quatro professores e de dois ATEs (assistente técnico educacional), profissionais que auxiliam crianças com deficiência. “A secretaria não garante o funcionamento pleno da escola, mas atribui os maus resultados à direção da escola.”

Leonardo Mannini, também foi afastado da direção da emef Ibrahim Nobre, no Rio Pequeno, zona oeste da capital. Ele conta que a escola atende alunos em situação de extrema vulnerabilidade social e alto índice de violência.

“Muitos dos nossos alunos vivem em palafitas, convivem de perto com a violência urbana, sem ter acesso garantido à proteção social, serviços de saúde. Isso afeta o aprendizado. Nós encaminhamos esses alunos para atendimento médico, conselho tutelar e nem sempre esses serviços dão conta. Mudar a gestão da escola vai resolver esse problema?”, questiona o diretor.

Todos os 25 diretores afastados nesta sexta são efetivos. Os cargos deles serão ocupados por assistentes de direção designados pelas Diretorias Regionais de Ensino. Servidores e os sindicatos da categoria defendem que as escolas afetadas estão em um processo de intervenção.

A queda de desempenho de ensino na rede municipal de São Paulo foi um dos pontos mais frágeis da campanha de reeleição de Nunes. Desde que foi conduzido ao cargo, o prefeito tem responsabilizado os professores pelos maus resultados e prometeu entregar as escolas com menores indicadores para a gestão privada.

Pressionado a adotar estratégias para melhorar a qualidade do ensino na cidade, o prefeito Ricardo Nunes tem responsabilizado os professores da rede municipal pelo desempenho ruim. No primeiro dia de aula, por exemplo, ele chegou a dizer que não vai tolerar “professor que não consegue transmitir conhecimento”.

“Todo mundo recebe o mesmo salário, tem a mesma estrutura [de trabalho]. Como é que tem escola [do município] com nota 7 e outras com nota 4,5? Não podemos aceitar de jeito nenhum que isso aconteça, um professor ou uma escola que não consegue transmitir conhecimento. Precisamos de professores comprometidos”, disse na ocasião o prefeito.

Uma das promessas do prefeito para melhorar os indicadores educacionais de São Paulo é entregar a gestão das 50 escolas mais vulneráveis para a iniciativa privada.

A reportagem questionou se o afastamento dos diretores está atrelado a um futuro plano de privatização das unidades, mas a secretaria não respondeu. A pasta apenas comentou sobre o curso que será oferecido.

“A capacitação, inédita, inclui vivência em outras unidades educacionais e tem como objetivo o aprimoramento da gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes. As unidades contarão com o reforço de mais um profissional na equipe gestora. A remuneração dos diretores será mantida”, diz a nota.