BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ameaçou nesta sexta-feira (23) prender Aldo Rebelo por desacato durante depoimento do ex-ministro da Defesa como testemunha do processo sobre a trama golpista no governo Jair Bolsonaro (PL).
“Se o senhor não se comportar, vai ser preso por desacato”, disse Moraes, depois de pedir que Aldo fosse objetivo e de ouvir como resposta “não admito censura”.
“Estou me comportando”, respondeu o ex-ministro da Defesa no governo de Dilma Rousseff (PT), com trajetória ligada à esquerda e que se aproximou do bolsonarismo nos últimos anos.
Aldo foi chamado para depor como testemunha de defesa do ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos.
O embate com Moraes ocorreu após o ex-ministro fazer comentários sobre a língua portuguesa para justificar uma fala de Garnier de que teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro.
“Na língua portuguesa nós conhecemos aquilo que se usa muitas vezes como força da expressão. Ela nunca pode ser tomada literalmente. Quando alguém diz que está frito, não significa que esteja dentro da frigideira. Ou que está apertado, não significa que esteja sendo submetido a um tipo de pressão literal”, disse Aldo.
O ex-ministro disse que, com essa premissa, não se poderia entender de formal literal uma eventual fala de Garnier sobre dar apoio armado aos planos de manter Bolsonaro no poder.
Moraes interveio. Ele disse que Aldo não estava na reunião em que Garnier teria declarado anuência a um golpe de Estado e, por isso, não poderia dar declarações sobre fatos que não testemunhou.
“A minha apreciação da língua portuguesa é minha e não admito censura”, respondeu o ex-ministro. O ministro do Supremo, em seguida, fez o comunicado sobre a possível prisão por desacato.
O depoimento de Aldo foi o mais conturbado da sequência de audiências do processo, iniciada na segunda-feira (19).
Após a primeira reprimenda, o ex-ministro fez considerações sobre Garnier. O ex-chefe da Marinha acusado pela trama golpista foi ajudante de ordens de Aldo no período em que esteve no comando do Ministério da Defesa, em 2015 e 2016.
O ex-ministro disse ainda que um comandante da Marinha não tem capacidade de mobilizar tropas sem que haja o acionamento de uma “cadeia de comando”. “O comandante dirige uma mesa, um birô; quem comanda a tropa é o Comando de Operações Navais, o Comando da Esquadra […]. Se não passar por essa cadeia de comando, o comando de fato fica apenas na palavra”, afirmou.
Outro momento de tensão no depoimento ocorreu quanto Aldo disse que “gostaria de saber se o inquérito apurou junto a essa estrutura de comando se foi transmitida pelo comandante da Marinha alguma determinação” relacionada à trama golpista.
O PGR (Procurador-Geral da República), Paulo Gonet, rebateu: “Quem faz a pergunta são os advogados e a acusação. Não é o momento para que isso aconteça. Quem quer saber somos nós, não o senhor”.
Moraes respondeu que, se o ex-ministro quisesse tomar conhecimento dos fatos, teria de ler reportagens na imprensa.
A audiência com Aldo ainda contou com uma gafe de Gonet. Com o microfone aberto enquanto Moraes falava, o PGR disse: “Fiz uma cagada agora”.
A reação do procurador foi registrada logo após ele fazer uma pergunta ao ex-ministro se ele considerava que a Marinha teria desistido do golpe de Estado porque o Exército não havia aderido às conspirações. O questionamento foi considerado como muito amplo, abrindo espaço para uma opinião em vez do testemunho sobre fatos.
“Doutor Paulo, pergunte objetivamente e a testemunha, por favor, responda objetivamente. Qual é a pergunta, doutor Paulo, por favor?”, disse Moraes antes da gafe de Gonet.
Garnier responde a cinco crimes: associação criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
O ex-chefe da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior confirmou ao Supremo na quarta (21) que Garnier concordou com os planos golpistas de Bolsonaro.
“Em uma dessas reuniões, eu tenho uma visão muito passiva do almirante. Eu lembro que o ministro Paulo Sérgio e eu conversávamos mais, debatíamos mais, tentávamos demover mais o presidente. Em uma dessas reuniões, chegou o ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente Bolsonaro”, disse.
Aldo foi deputado federal por cinco mandatos pelo PC do B. Chegou a presidir a Câmara durante o primeiro mandato de Lula, entre 2005 e 2007. Chefiou a Defesa no governo Dilma e, antes, foi ministro do Esporte, de 2011 a 2015, e das Relações Institucionais, no primeiro governo Lula, entre 2004 e 2005.
Também foi presidente da Câmara dos Deputados, de 2005 a 2007. Na eleição de 2022, disputou o Senado em São Paulo, pelo PDT, mas ficou em sétimo lugar.
O ex-ministro passou a romper relações com a esquerda antes do governo Bolsonaro. Ele disse em entrevistas que não se sentia confortável na esquerda moderna. No último ano, decidiu se filiar ao MDB e assumiu cargo na Prefeitura de São Paulo de Ricardo Nunes (MDB).
Desde 2023 Aldo tem sido defensor de que os ataques às sedes dos Poderes, em 8 de janeiro, não foram uma tentativa de golpe de Estado. Suas declarações vêm sendo compartilhadas por Bolsonaro e aliados.
RÉUS DO NÚCLEO CENTRAL DA TRAMA GOLPISTA
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-chefe da Abin
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa