SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era 30 de março de 1981. Sebastião Salgado, que se tornaria um dos maiores fotógrafos do mundo, estava em Washington, nos Estados Unidos, para produzir uma reportagem fotográfica sobre os cem primeiros dias de Ronald Reagan na Presidência dos Estados Unidos, a pedido da revista do The New York Times.
Na saída de um evento do qual o republicano participava, Salgado capturou aquela que se tornaria uma de suas fotografias mais emblemáticas e, segundo ele próprio, a que impulsionou sua carreira, tanto em termos de prestígio jornalístico quanto financeiro. Era a tentativa de assassinato a tiros contra Reagan por John W. Hinckley Jr.
Em pouco mais de um minuto, Salgado tirou 76 fotografias, lançando mão das três câmeras que tinha à disposição, todas carregadas com filmes coloridos. As imagens mostram o caos após os disparos, incluindo o secretário de imprensa James Brady ferido e agentes do Serviço Secreto em ação.
O trabalho não pode ser reproduzido, no entanto, porque sua família, que detém os direitos autorais, não autoriza, uma decisão tomada por Salgado ainda em vida, que não desejava ser reconhecido como o fotógrafo que registrou o atentado contra Reagan.
À época, o material foi amplamente distribuído por agências internacionais e publicado em diversos veículos de imprensa. Salgado, que morreu aos 81 anos nesta sexta-feira, em Paris, relembrou o caso em 201 em entrevista ao Democracy Now!, um programa de rádio diário que vai ao ar nos Estados Unidos. Leia abaixo a transcrição.
“Sr. Reagan participava, dentro do Hilton, de um evento do setor de construção civil. Estava prestes a ir embora, mas vi dois fotógrafos indo até a entrada do hotel. Pedi ao segurança do FBI designado para me acompanhar: “Preciso ir junto.” Ele respondeu: “Não, só irão os fotógrafos do pool.” Eram dois profissionais designados para acompanhar o presidente onde ele fosse. As fotos que eles tirariam seriam distribuídas para todos os jornais, revistas e agências do mundo.
E eu corri para chegar à porta do hotel. Lembro que esse cara atrás de mim falou: “Quando o presidente dos Estados Unidos está por perto, você não pode correr. Eles podem atirar em você.” Mas continuei, e ele pegou o crachá do FBI e gritou: “FBI! FBI!” E eu fui, entrei pela porta do hotel. O Sr. Reagan estava saindo. E lembro que tirei uma foto, uma única foto, e ouvi o “tac! tac! tac!” — os disparos, sabe? Achei que fossem fogos de artifício, porque na América Latina, quando os presidentes saem, tem muito fogo de artifício. Mas imediatamente percebi que não era isso, que algo estava acontecendo.
E eu corri. Continuei. E todos esses caras que faziam a segurança eram meus colegas. Eles me deixaram entrar, me aproximar do carro do Sr. Reagan, e assim consegui uma série incrível de fotos, porque peguei o Sr. Brady caindo, com sangue saindo da cabeça, toda aquela confusão ao redor. Na verdade, em cerca de um minuto, um minuto e vinte segundos, tirei 76 fotos. Eu tinha três câmeras com filme. Mas sou um fotógrafo de preto e branco. Naquela época, estava fotografando em cores. Meu trabalho era para uma reportagem em cores. Fotografei em cores por muitos anos, além do preto e branco, porque não era possível viver só do preto e branco. E fiz essa série de fotos.
Depois dessa confusão, e quando as pessoas saíram, eu estava perdido no meio de Washington, porque era minha primeira viagem à cidade. Eu não sabia como voltar para a Casa Branca. Finalmente, consegui um táxi e fui. Liguei para o The New York Times. Disse ao editor Fred Ritchin: “Fred, eles mataram nossa reportagem”, porque agora nunca mais iriam me deixar chegar perto do presidente, já que ninguém sabia ainda que o Sr. Reagan estava bem. E eu voaria no dia seguinte para Illinois, no avião presidencial, para tirar fotos. Fred me perguntou: “Mas você conseguiu tirar fotos?” Eu disse: “Sim.” Ele falou: “Provavelmente teremos uma grande reportagem, porque o presidente foi atingido. Ele está muito mal no hospital.” Foi aí que pensei: “Meu Deus, provavelmente minhas fotos não ficaram boas, porque não tive tempo de verificar a luz, de ver se a luz estava boa ou não. Estava fotografando muito, muito rápido.” E quando revelaram os filmes, estavam boas.”
O caso marcou uma transição na carreira de Salgado, que passou a se dedicar a projetos de longo prazo, centrados em questões sociais e humanitárias, que o elevaram ao estrelato da fotografia mundial.