BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, afirmou ao STF (Supremo Tribunal Federal) que seu antecessor, Almir Garnier, quebrou a liturgia ao não participar da cerimônia de transferência de cargo. Ele afirmou, no entanto, que não houve orientação para dificultar a posse do presidente Lula (PT), em janeiro de 2023.

Olsen prestou depoimento ao Supremo nesta sexta-feira (23) como testemunha da defesa de Almir Garnier, acusado de dar apoio ao plano golpista sugerido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ele foi questionado sobre a solenidade pelo advogado de Garnier Demóstenes Torres, pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e pelo relator do caso na corte, Alexandre de Moraes.

“Não compareceu. E, ao que tenho notícia, não há registro da ausência de comandante que passe em ocasiões antigas”, respondeu ao ministro.

No questionamento, Moraes enfatizou que a tradição é secular. “Para que não paire nenhuma dúvida. No meio militar, sabemos que essa tradição inclusive é mais do que secular, e passou às Polícias Militares também”, disse.

O ministro então mencionou o fato de fazer parte da solenidade a continência ao presidente da República. “Nesta cerimônia, é tradição prestarem continência ao novo presidente?”, perguntou.

“Desde que o presidente presida a cerimônia. O ministro [da Defesa] José Mucio presidiu. Presta-se continência à autoridade que preside a cerimônia”, respondeu Olsen.

Em dezembro de 2022, dias antes da transmissão de comando, Garnier decidiu romper a tradição.

Ele foi o único comandante que não se reuniu com Múcio no período de transição. Escolhido para chefiar o Ministério da Defesa, Mucio chegou a trocar mensagens com o almirante e se dispôs a ir ao Rio de Janeiro para encontrá-lo, mas não teve sucesso.

Segundo relatos feitos à Folha, o comandante da Marinha disse ao almirantado que estava decepcionado com a vitória de Lula, razão pela qual gostaria de deixar o posto antes da posse. Apesar da vontade pessoal, de acordo com uma pessoa presente na reunião, decidiu submeter a decisão ao colegiado de almirantes de Esquadra.

Marcos Sampaio Olsen era comandante de Operações Navais em 2022, área responsável pelo preparo e emprego das forças e dos fuzileiros navais na Marinha. Seria, na visão da defesa de Garnier, a testemunha adequada para comprovar que não houve movimentação de tropas no fim do governo Bolsonaro para se dar um golpe de Estado.

Perguntado por Demóstenes Torres se havia recebido alguma ordem para dificultar ou impedir a posse de Lula ou para um golpe de Estado, ele negou. “Não recebi qualquer ordenação nesse sentido”, disse.

O atual comandante era também membro do almirantado, colegiado da Marinha composto pelos dez almirantes-de-esquadra da ativa. O alto escalão da Força se reúne periodicamente.

Olsen tentou conseguir do Supremo uma dispensa do depoimento como testemunha do ex-chefe na quarta-feira (21). Ele alegou que desconhece o teor da ação penal e, por isso, não teria com o que contribuir.

A defesa de Garnier não concordou em desistir do depoimento. O advogado Demóstenes Torres disse que a inquirição de Olsen era importante para esclarecer fatos que são imputados ao réu no processo da trama golpista.

“É essencial esclarecer, sobre o crivo do contraditório, se à época dos fatos narrados na denúncia houve qualquer conversa ou tratativa interna relacionada à movimentação ou preparação de tropas, tendo em vista que a testemunha arrolada exercia, naquele período, o cargo de Comandante de Operações Navais da Marinha do Brasil”, disse o advogado Demóstenes Torres.

Diante do pedido de manutenção do depoimento pela defesa de Garnier, Moraes negou o pedido de desistência do depoimento e determinou que Olsen comparecesse à audiência.

O comandante balançou no cargo após divulgar, no fim de 2024, um vídeo em homenagem ao Dia do Marinheiro que comparava um difícil estilo de vida dos militares com uma rotina de festas e descansos dos civis.

O contexto era a discussão no governo de um pacote de corte de gastos que incluiu as Forças Armadas. O Ministério da Fazenda queria fixar uma idade mínima de aposentadoria para os militares, entre outras medidas, sob a alegação de que oficiais deixam a ativa cedo e usufruem de benefícios na reserva.

O vídeo desagradou o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O petista cogitou demitir o almirante. José Mucio decidiu manter Olsen no cargo e administrar a crise internamente, para evitar uma escalada de insatisfação dentro da Marinha.