SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sebastião Salgado, morto nesta sexta-feira, fotografou a mineração e levantes sociais, como a Revolução dos Cravos, em Portugal, bem como a tentativa de assassinato de Ronald Reagan. Para além das lentes, no entanto, ele encontrou na política e no ativismo ambiental outras formas de responder ao mundo à sua volta.

Desde 2001, o fotógrafo era Embaixador da Boa Vontade da Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. O título é dado a pessoas proeminentes de diferentes áreas que ajudam a trazer à tona os desafios que as crianças enfrentam ao redor do mundo.

Sua atuação política, no entanto, vem de muito antes. Ativista de esquerda, Salgado foi parte da Ação Popular no começo de sua militância, nos anos 1960. Já mestre em economia pela Universidade de São Paulo, ele conta que usava a profissão para financiar a luta política.

“De tarde, eu trabalhava em uma empresa fazendo um plano econômico para a região leste. Eu era responsável pelo setor de agricultura e fazia um plano dentro dos princípios socialistas. Tudo o que eu ganhava, eu doava para a organização”, ele disse à Folha de S.Paulo, sem querer especificar a qual grupo dedicava suas finanças, mas afirmando que era um ligado à resistência armada.

Salgado mudou-se para a França em 1969, fugindo da ditadura no Brasil. Em 1974, foi com a mulher, Lélia Wanick Salgado, e o filho ainda pequeno para Lisboa, onde acompanhou e fotografou a Revolução dos Cravos e a queda do império português.

“Aprendi a fotografar e aprendi muito de política em Portugal”, afirmou. “Os governos se formavam e caíam em uma semana. Foi o despertar de uma nação. Além do trabalho, participamos de reuniões políticas, porque a esquerda de todo mundo estava lá: a brasileira, a francesa, a alemã.”

Economista de formação marxista, Salgado levou a política para todo o seu trabalho, com séries sobre trabalhadores, o garimpo e os grandes êxodos de pessoas pelo mundo, entre outros.

“Quando chegamos à França, Lélia e eu éramos maoístas. Vivíamos na embaixada da China buscando o livrinho vermelho para distribuir em Paris. Depois, viramos marxistas-leninistas”, afirmou o fotógrafo.

A ditadura só se atentou para a militância do fotógrafo em 1974, quando ele já estava fora do Brasil havia cinco anos. Naquele momento, o nome dele apareceu em uma agenda apreendida com um militante de esquerda —e também é citado em um depoimento de outra pessoa aos militares, como alguém que apoiava exilados que chegavam à França.

Sua atuação política não arrefeceu nos anos seguintes. O fotojornalista Hélio Campos Mello relembrou à Folha de S.Paulo uma história com Salgado. “Em 1980, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, liderado pelo Lula, foi cercado pelas forças militares. A imprensa cobriu a vigília e a intervenção no sindicato. Na época, eu trabalhava na revista IstoÉ e conheci nesta cobertura o Sebastião Salgado.”

“Ainda nos primórdios de sua carreira ele veio contratado pela revista Actuel, publicação progressista francesa editada pelo pessoal do maio de 1968 —Daniel Cohn-Bendit, o Dany Le rouge e outros. De cabelo e barba, Sebastião é o fotografo em pé em cima da mesa, regulando a câmera”, diz Mello.

O fotógrafo mantinha, ainda, entre as suas prioridades, a preocupação com a proteção ambiental. Mais uma vez ao lado de Lélia, criou o Instituto Terra em 1998, organização que se dedica a restaurar áreas degradadas de floresta e a promover o desenvolvimento rural sustentável no vale do Rio Doce, região que abrange municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo.

O Instituto Terra começou a funcionar na fazenda Bulcão, propriedade da família de Sebastião Salgado em Minas Gerais. A inspiração para para o projeto aconteceu após o casal vivenciar uma grande inundação, seguida de deslizamentos, intensificados por conta da degradação ambiental no local.

O instituto afirma ter plantado mais de 3 milhões de plantas, repovoando o território de Mata Atlântica com vegetação nativa. A recuperação da mata nativa promoveu a volta dos animais, com mais de 170 espécies de pássaros, 33 de mamíferos, 15 de anfíbios e outras 15 de répteis já identificadas no instituto, antes uma área hostil para a fauna local.

Desde 2015, a ONG voltou sua atenção também ao rio Doce através do projeto Olhos D’Água. Ao Jornal Hoje, da Globo, Salgado e Lélia afirmaram naquele ano querer recuperar todas as 370 mil nascentes da região.