SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Mais de 300 alunos brasileiros que estudam em Harvard devem ser afetados com a decisão do governo Trump de proibir estrangeiros na universidade. Um dia após o anúncio, o clima entre eles é de incerteza, medo e angústia.

João* diz que é frustrante ver o sonho de uma vida ser “destroçado”. O governo Trump proibiu a Universidade de Harvard de matricular novos estudantes estrangeiros nesta quinta-feira (22). Além disso, os alunos internacionais que já fazem parte da instituição precisarão se transferir ou perderão seu status legal no país. “O meu sentimento é de puro choque e angústia. Este desdobramento foi apontado como uma possibilidade, mas acho que não esperávamos que fosse se concretizar”, afirmou em entrevista ao UOL.

Há 318 brasileiros na universidade, entre estudantes e pesquisadores. Segundo dados de Harvard, são 123 são alunos matriculados e 195 pesquisadores. João diz que os brasileiros ainda estão aguardando instruções da universidade, que entrou na Justiça nesta sexta-feira (23) contra o governo Trump. “Esperamos que isso seja derrubado na Justiça, mas não sabemos”. Para ele, há uma inversão de valores na gestão do republicano. “Tudo que acreditamos sobre os EUA, que pensamos ser imutáveis, a liberdade de expressão, a segurança jurídica, simplesmente caiu por terra”, acrescentou o estudante.

Sentimento dos brasileiros é de incerteza e impotência. Enquanto aguardam os desdobramentos da decisão do governo, alguns já começam a pensar na possibilidade de tirar um ano sabático.

“Estamos no escuro em relação a quais serão os próximos passos tomados pela administração. Há também um grande sentimento de medo em relação ao que significaria se a faculdade aceitasse as demandas do governo. A gente acredita que isso seria suficiente para que os estudantes internacionais pudessem continuar estudando, mas que estabeleceria um péssimo precedente para a erosão democrática e educacional que o país tem enfrentado”, disse Marcela*, brasileira que estuda em Harvard.

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ALUNOS ESTRANGEIROS ESTÃO COM MEDO DE SE POSICIONAR

Marcela explica que muitos estudantes estrangeiros estão com medo de se posicionar publicamente. “Tenho notado uma grande mobilização dos estudantes americanos, que não estão sendo diretamente afetados pela atual situação, de se posicionar abertamente sobre o assunto, inclusive na mídia estadunidense. Há também um movimento dentro da comunidade de ex-alunos, principalmente brasileiros, de oferecer o apoio necessário nessa situação. Entre os alunos internacionais, o medo prevalece qualquer sentimento e gera uma sensação de impotência e incapacidade de agir em relação a sua própria vida e futuro”, afirmou a brasileira.

Estrangeiros são 27,2% dos alunos de Harvard. A universidade possui 6.793 estudantes internacionais, de um corpo discente de 24.596 pessoas.

“Não tenho plano B”, diz estudante brasileiro. Augusto* está no segundo ano do doutorado em Harvard. Ele esteve no campus de Cambridge nesta sexta-feira (23) e contou que muitos jornalistas estavam no local. O clima era de apreensão nos corredores da instituição e em grupos de WhatsApp. “Eu entendo que se isso acontecer seria o fim da universidade como a gente conhece”, afirmou. Ele está otimista que a decisão será revogada na Justiça. “Eu acho pouco provável que isso aconteça. É um pensamento assustador, não tenho um plano B”, acrescentou.

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que estudou em Harvard, classificou a decisão de Donald Trump como um “plano de vingança”. “Uma retaliação por Harvard ter se recusado a obedecer ordens absurdas: não aceitou apagar políticas de igualdade, nem submeter seu currículo, nem trocar sua liderança, nem silenciar o pensamento crítico”, afirmou a parlamentar brasileira.

HARVARD PROCESSA GOVERNO TRUMP E TENTA REVERTER PROIBIÇÃO DE ESTRANGEIROS

Decisão de Trump viola lei e direitos garantidos pela primeira emenda da Constituição dos EUA, diz Harvard. No pedido protocolado nesta sexta-feira (23), a instituição afirmou que tem direito de rejeitar as exigências que o governo tem feito. Segundo a universidade, os pedidos do republicano têm como intuito “controlar a governança, o currículo e a ‘ideologia’ de seus professores”.

Pedido da universidade é de que um juiz bloqueie imediatamente a ordem emitida nesta quinta-feira (22). A ordem do serviço de Segurança Nacional dos EUA determinava que a instituição fornecesse “todos os registros e arquivos de áudio e vídeo que envolvam atividades perigosas, ameaçadoras ou ilegais de estudantes estrangeiros matriculados nos últimos cinco anos”. Além disso, outra exigência da gestão do republicano era que Harvard entregasse todas as filmagens que envolvam protestos dos últimos cinco anos no campus de Cambridge.

“Harvard não é Harvard sem os seus alunos internacionais”, diz universidade. Um trecho do processo aberto pela instituição de ensino também justifica que a administração está tentando levantar as informações pedidas pelo governo sobre os alunos estrangeiros, mesmo com o tempo curto, de 10 dias úteis, que foi dado à instituição.

TENSÃO COM O GOVERNO TRUMP E CORTE BILIONÁRIO

Decisão ocorre após ameaça do governo Trump. Em abril, a universidade foi informada de que se não fornecesse registros detalhados sobre “atividades ilegais e violentas” de seus estudantes internacionais antes de 30 de abril enfrentaria a perda de sua certificação.

Governo já havia cortado US$ 2,2 bilhões (R$ 12,4 bilhões) em financiamento federal para Harvard. De acordo com a gestão de Donald Trump, o corte foi motivado porque ocorre discriminação no campus da universidade.

Universidade foi primeira a rejeitar exigências de Trump. Em uma carta assinada por dois advogados da universidade dirigida à administração republicana, Harvard, uma das instituições de ensino mais respeitadas do mundo, afirma que “não renunciará à sua independência, nem aos direitos que a Constituição lhe garante”.

Harvard foi palco de protestos pró-Palestina por estudantes. O governo Trump e a reitoria da universidade tomaram muitas ações desses protestos como antissemitas, e alguns alunos chegaram a ser suspensos. A instituição afirmou ter adotado importantes medidas nos últimos 15 meses para combater o antissemitismo, e está “em uma situação muito diferente da de um ano atrás”.

Trump já cortou US$ 400 milhões da Universidade de Columbia por protestos. Ao contrário de Harvard, a instituição se comprometeu a realizar reformas drásticas exigidas pela administração para tentar recuperar esses fundos.

*Os nomes foram alterados para preservar o anonimato dos entrevistados.