SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Malcolm e Simone Collins querem ter quantos filhos o útero dela aguentar. Com quatro herdeiros e um quinto a caminho, o casal americano vive na pele a mensagem que querem passar ao mundo: tenham filhos. Tenham muitos filhos.
Segundo Malcolm, a esposa gosta do período da gestação. “Ela diz mesmo se eu não fizer tanta coisa em um dia, pelo menos eu sei que estou produzindo uma outra pessoa”, afirma.
O casal se tornou quase uma propaganda oficial do movimento pró-natalista, que endossa a ideia de que a humanidade deve se esforçar para ter mais bebês.
É um projeto que ganhou impulso neste ano, com a volta de Donald Trump para a Casa Branca. O presidente dos EUA disse que quer ser “o presidente da fertilidade”.
O interesse pelo tema nasceu em 2015, quando Malcolm trabalhava com investimentos na Coreia do Sul. Formado em neurociências pela Universidade St. Andrews e pós-graduado em administração pela Universidade Stanford, ele voltou os olhos para os dados populacionais para calcular o crescimento econômico dos 50 e cem anos seguintes. As taxas de fertilidade o alarmaram.
À época, a taxa de fertilidade era de 1,24 filhos por mulher, segundo dados do governo. Hoje, a taxa está em 1,12. O único país com uma taxa de fertilidade menor é Taiwan, com 1,11. Nos Estados Unidos, a taxa está em 1,6.
“Voltar aos Estados Unidos pareceu uma viagem no tempo para 20 anos antes [desse cenário]”, afirma Malcolm. Ele diz que, em conversas com consultorias e na sociedade coreana, já existe a percepção de um possível colapso social.
Os americanos não são os únicos a abraçar a questão. Na Europa, líderes que vão de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, a Emmanuel Macron, presidente da França, fazem incentivos diversos para aumentar as taxas de fertilidade. Enquanto os ultraconservadores, como a AfD (Alternativa para a Alemanha), apostam em mudanças culturais que coloquem a família heterossexual e nuclear no centro do debate, os progressistas querem expandir licenças parentais e serviços públicos de cuidados.
Para Malcolm, a recusa da esquerda em tocar no assunto vem da percepção de que ela promove uma “monocultura urbana”, caracterizada pela baixa fertilidade. “A monocultura urbana é o que torna a cultura de São Paulo mais próxima da de Nova York, Londres ou Paris do que da cultura local de uma cidade rural a três horas de distância.”
Os culturas diversas e mais comuns em áreas rurais se uniram numa aliança que se tornou a direita global “contra a monocultura da elite oligárquica escolarizada”.
Ele diz que a relação entre culturas em que mulheres têm menos autonomia e altas taxas de fertilidade não é questão de opinião e que pode ser medida e confirmada.
“Ninguém no mundo descobriu como organizar uma sociedade com igualdade de gênero no ensino superior e de cultura altamente próspera que também fosse estável do ponto de vista da fertilidade”, afirma.
Malcolm diz que tenta viver com sua família uma alternativa que una a alta fertilidade a “algum grau de igualdade de gênero”. Eles dividem o cuidado pela idade dos filhos. Fica 100% por conta de Simone quem quer que seja o caçula da vez. Os outros ficam sob os cuidados de Malcolm. Como eles tentam ter um filho por ano, a passagem de cuidados ocorre por volta dos 14 meses. O trabalho remunerado também é dividido, já que eles administram juntos as empresas da família.
Um desses trabalhos é organizar a Conferência Natalista, que teve sua primeira edição em 2023. Neste ano, o evento foi realizado em Austin, no Texas. No evento, Simone vestia uma blusa branca com mangas bufantes e um vestido preto. Um chapéu com amarração em volta do rosto, no estilo leiteira do século 19, completava o visual.
Ela concorreu ao legislativo estadual da Pensilvânia no ano passado, mas não levou o assento.
O casal não vive sob preceitos religiosos tradicionais. Eles se identificam como “tecnopuritanos”, um sistema de crenças organizado por eles com base nos livros centrais das religiões judaico-cristãs.
A tecnologia, rejeitada por vertentes religiosas mais conservadoras, é abraçada pelo casal no projeto de ter vários filhos. As gestações de Simone são fruto da FIV (fertilização in vitro) e os partos dos bebês são cesáreas.
A FIV foi centro de uma disputa interna entre conservadores americanos quando o estado do Alabama passou a entender que o descarte de embriões poderia ser considerado assassinato.
Para Malcolm e Simone, a FIV deve ser uma opção disponível a quem quiser. “Mas não é algo que vai mudar taxas de fertilidade de forma significativa em nenhum país”, afirma Simone. “Não é ter FIV de graça que muda essa taxa. É cultura.”
Em uma nota mais polêmica, o casal se diz a favor da seleção genética de embriões. Além de procurar embriões com menos chance de doenças, eles olham para características como QI (quociente de inteligência).
A posição gera críticas a eles, chamados por organizações como a católica Word on Fire e a colunista do Guardian Arwa Mahdawi de “eugenistas hipsters”. Os Collins rejeitam o rótulo.
“Se você ler qualquer definição de eugenismo é um movimento que acredita em bons e maus genes e diz que o governo precisa reforçar os bons”, diz Malcolm. “Nós lutamos pelo extremo oposto disso, que é o máximo de escolha reprodutiva a nível individual.”
O casal mira ter de sete a 13 filhos. Segundo Malcolm, é uma quantidade que parecia a mais razoável dentro das possibilidades de saúde de Simone. “O plano não é um número determinado, mas continuar até que algo dê errado ou que ela não possa mais ter filhos.”
Questionado pela reportagem se ele gosta de ser pai, Malcolm diz que não tem filhos para ser mais feliz. “Esse é um péssimo motivo para se tornar pai no momento.”
“Alguém me disse algo como imagine todas as viagens de férias que você faria se parasse de ter filhos agora. E eu respondi, sabe, você vai conhecer seus filhos e criar memórias com eles e vai pensar em como essas crianças são especiais e pensar meu Deus, eu estava disposto a trocar a vida dessa pessoa por férias?. [Esse pensamento] deveria ser assombroso.”
Simone defende que a criação de filhos, nos moldes difundidos hoje, é insustentável financeiramente. Mas ela acredita que crianças não precisam de muito e que os excessos não são necessariamente bons para eles.