RIO DE JANEIRO, RJ E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil tinha 14,4 milhões de pessoas de dois anos ou mais com pelo menos um tipo de deficiência em 2022, apontam novos dados do Censo Demográfico divulgados nesta sexta-feira (23) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O contingente era equivalente a 7,3% do total de habitantes da mesma faixa etária à época (198,3 milhões). O número de mulheres com deficiência (8,3 milhões) superava o de homens nessa condição (6,1 milhões). A ONU estimou no mundo, em 2021, uma proporção de 10% a 14% desse grupo na população mundial —ou seja, entre 790 milhões e 1,1 bilhão de pessoas.

Conforme o IBGE, os resultados de 2022 não são comparáveis com o Censo 2010 devido a adaptações nos questionários. Para pesquisar o tema, o instituto diz seguir recomendações metodológicas do Grupo de Washington –organismo de estatísticas sobre pessoas com deficiência gerido pelas Nações Unidas.

O total de 14,4 milhões no Brasil supera o número de habitantes (considerando população com dois anos ou mais) de estados inteiros, como a Bahia (13,8 milhões), o quarto mais populoso do país.

Os critérios do Censo consideram que uma pessoa com deficiência é aquela que não consegue de modo algum ou tem muita dificuldade para realizar as atividades investigadas em cinco domínios funcionais. São os seguintes:

enxergar (dificuldade permanente de visão, mesmo usando óculos ou lentes de contato);

ouvir (dificuldade permanente de audição, mesmo usando aparelhos auditivos);

mobilidade dos membros inferiores (dificuldade permanente em andar ou subir degraus, mesmo usando prótese, bengala ou aparelho de auxílio);

coordenação motora fina (dificuldade permanente para pegar pequenos objetos ou abrir e fechar tampas de garrafas, mesmo usando aparelhos de auxílio);

funções mentais (dificuldade permanente em se comunicar, realizar atividades de autocuidado, trabalhar ou estudar).

Entre as regiões, o Nordeste teve o maior percentual de pessoas com deficiência na população de dois anos ou mais: 8,6%.

Foi o único local com patamar superior ao do Brasil (7,3%). Norte (7,1%), Sudeste (6,8%), Sul (6,6%) e Centro-Oeste (6,5%) vieram na sequência.

O Censo não aponta as causas do maior percentual no Nordeste. O IBGE, porém, afirma que outros estudos já relacionaram parte da incidência de deficiências funcionais a locais com gargalos socioeconômicos, como historicamente é o caso da região.

Segundo essa hipótese, o acesso restrito a tratamentos de saúde, por exemplo, poderia agravar doenças como diabetes, que trazem risco de desenvolvimento de deficiências físicas ao longo dos anos.

“Há estudos que associam a questão da baixa qualidade de vida e de acesso a saúde e saneamento a deficiências, mas, pelo Censo, a gente não consegue dar essa resposta. Podemos levantar o conhecimento por leituras, e existe essa relação”, afirmou Luciana Alves dos Santos, analista do IBGE responsável pela apresentação dos dados.

O percentual de pessoas com deficiência na população de dois anos ou mais superou os 9% em dois estados brasileiros: Alagoas (9,6%) e Piauí (9,3%). Ambos ficam no Nordeste.

Por outro lado, dois estados mostraram proporções abaixo de 6%. Foram os casos de Roraima (5,6%) e Mato Grosso (5,7%).

Quando o recorte considera os municípios brasileiros, o sergipano Malhada dos Bois (a cerca de 85 km de Aracaju) registrou a maior participação de pessoas com deficiência na população de dois anos ou mais. O percentual foi de 18,1%.

Isso significa que, do total de 3.468 moradores de dois anos ou mais na cidade, 628 tinham alguma deficiência, quase 1 em cada 5.

Já o menor patamar do país foi verificado no município catarinense de Tigrinhos (1,2%), a cerca de 630 km de Florianópolis.

Na capital paulista, cidade mais populosa do Brasil, a proporção de pessoas com deficiência foi de 6,4%, o equivalente a 719,3 mil de um total de 11,2 milhões.

TEMA DEVE SER PRIORIDADE

A consultora de inclusão e acessibilidade Luciana Trindade, 45, afirma que é preciso tratar o tema como prioridade em políticas públicas, o que ela ainda não tem visto acontecer. Com mais de 20 anos no ativismo em São Paulo, tanto na cidade, onde vive, quanto no estado, ela, que também integra o Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência de São Paulo, lembra que a briga é constante, inclusive para manter a interlocução com os órgãos públicos.

Diagnosticada com distrofia muscular, Luciana é cadeirante e critica a falta de prioridade do tema de acessibilidade nas gestões públicas. Moradora da região central de São Paulo, relata constantes dificuldades com acesso a transporte público e com calçadas sem padrão. “Exemplo é o programa de metas, a gente viu as metas de calçadas não serem alcançadas”, afirma.

Balanço da prefeitura paulistana com dados de dezembro de 2024 indica que, do plano de manutenção de 1,5 milhão de metros quadrados de calçadas, foram executadas construções ou reformas em 1,04 milhão, ou 69,7% da meta.

“Já fui modelo, recepcionista de eventos, já fiz muita coisa na minha vida. Mas nunca consegui ser cidadã em São Paulo, reconhecida. A cidade não me inclui, e olha que moro no centro.”

DEFICIÊNCIA É MAIOR ENTRE IDOSOS

O Censo também permite uma análise de acordo com as faixas de idade dos brasileiros. Conforme o IBGE, há uma relação nítida entre o envelhecimento e a maior incidência de limitações funcionais.

Enquanto 2,2% da população de 2 a 14 anos apresentava algum tipo de deficiência em 2022, o percentual subia a 5,4% entre os jovens e adultos de 15 a 59 anos, alcançando 14,4% entre os idosos de 60 a 69 anos e 27,5% entre os habitantes de 70 anos ou mais.

“A gente investiga a deficiência a partir das dificuldades funcionais e sabe que é muito característico das pessoas idosas ter mais dificuldades para ouvir, para caminhar, para subir degraus ou até mesmo de memória”, disse Santos, do IBGE.

A técnica apontou que o Sul e o Sudeste são regiões mais envelhecidas e que, mesmo assim, o Nordeste mostrou uma participação maior das pessoas com deficiência.

“Isso demonstra que a maior incidência no Nordeste não está relacionada somente ao envelhecimento da população. Existem outros fatores relacionados com essas dificuldades funcionais [na região]”, afirmou.

DIFICULDADE PARA ENXERGAR ATINGE 7,9 MILHÕES

A dificuldade permanente para enxergar, mesmo com o uso de óculos ou lentes de contato, foi a principal identificada no Censo 2022. Essa era uma realidade para 7,9 milhões de pessoas de dois anos ou mais, o equivalente a 4% do total de habitantes da mesma faixa etária (198,3 milhões).

Em seguida, vinham as dificuldades para andar ou subir degraus (5,2 milhões), para pegar pequenos objetos ou abrir e fechar tampas de garrafas (2,7 milhões), para se comunicar, realizar cuidados pessoais, trabalhar ou estudar devido a limitações de funções mentais (2,7 milhões) e para ouvir (2,6 milhões).

Os dados divulgados nesta sexta foram levantados a partir dos questionários da amostra do Censo. Esses questionários coletam informações mais detalhadas e são aplicados junto a um conjunto representativo da população, selecionado a partir de uma metodologia estatística.

Conforme o IBGE, 2% da população de dois anos ou mais tinha duas ou mais dificuldades funcionais que caracterizavam deficiências em 2022. Uma parcela de 5,3% apresentava uma dificuldade. O instituto afirmou que 16% dos domicílios tinham pelo menos um morador com deficiência.