SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Luana de Carvalho, única filha de Beth Carvalho, em depoimento à biografia “Beth Carvalho: uma Vida pelo Samba”, de Rodrigo Faour, conta que o diagnóstico inicial no problema da coluna da cantora foi de artrose e artrite. Mas, ao realizar exames, constatou-se um tumor no sacro, o osso localizado na base da coluna.
Desde então, a artista enfrentou diversos problemas que a fizeram usar cadeira de rodas. Luana contou que nesse tempo a cantora também recebeu o diagnóstico de câncer de mama. Após tratamento oncológico, o sacro perdeu a capacidade coagulativa, de acordo com relato da filha. Com isso, o osso atacado com a doença infeccionava constantemente, o que levou a artista à morte, em abril de 2019, aos 72 anos, por infecção generalizada, depois de mais uma década de luta contra a enfermidade.
A biografia é agora lançada dentro do projeto Sambabook, que inclui ainda um álbum com regravações de músicas registradas pela sambista. O pesquisador Rodrigo Faour, autor da “História da Música Popular Brasileira sem Preconceitos”, entre outras obras, centra o relato essencialmente na carreira musical de Beth Carvalho.
A abordagem sobre sua saúde e o seu conhecido temperamento forte é feita somente no final do livro. A cantora adotou o samba como uma profissão de fé, mas também teve que enfrentar, além do perverso ambiente da indústria da música, o machismo do gênero que escolheu para cantar. Luana diz no livro que este seria um dos motivos do comportamento imperativo da artista.
Elizabeth Santos Leal de Carvalho nasceu em uma família de classe média na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes do samba, frequentou as rodas da bossa nova e da MPB. O primeiro disco, “Conjunto 3D Muito na Onda”, saiu em 1967 com ela e Eduardo Conde nos vocais, do grupo comandado pelo pianista Antonio Adolfo. Na mesma época, seria associada ao movimento de vida curta Musicanossa, que tentava manter a bossa nova viva.
Faour vai narrando os acontecimentos a partir dos anos 1960. Na época, a indústria da música sobrevivia entre o rádio, a televisão que desabrochava e os festivais. Foi nestes últimos que Beth conseguiu abrir caminho na carreira.
Ativa nos concursos em evidência da época, foi com a apresentação da toada “Andança” composição de Edmundo Souto, de quem ficou noiva, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi com o grupo Golden Boys, no 3º Festival Internacional da Canção de 1968, que ganhou reconhecimento como cantora e obteve seu primeiro sucesso. A música ficou em terceiro lugar no festival.
Optou pelo samba a partir de 1972. No ano seguinte, apresentou seu primeiro álbum voltado ao gênero: “Canto Por um Novo Dia”. A partir daí, o livro navega bem pelos discos da cantora, além de mostrar como sua ideologia se misturava aos seus trabalhos.
Em seus registros fonográficos, abriu espaço para compositores de pouco reconhecimento por achar que as grandes músicas estavam nas mãos dessa gente esquecida. Gravou sambas que se tornaram enorme sucesso do gênero baseado na proposta de recolher composições na fonte do samba, como “1.800 Colinas” (Gracia do Salgueiro, 1974), “Saco de Feijão” (Chico Santana, 1977) e “A Chuva Cai” (Argemiro e Casquinha, 1980).
Era onipresente nas rodas e escolas de samba, como a do coração, a Mangueira. Embora convivesse em ambientes de consumo elevado de bebida alcoólica, só bebia Coca-Cola.
Ela tinha profunda admiração por Nelson Cavaquinho e no primeiro disco gravou duas músicas do compositor. “Folhas Secas”, dele com Guilherme de Brito, foi uma delas, que se transformou em polêmica por ter sido registrada pouco antes por Elis Regina no disco “Elis”, depois que o produtor da gravadora, Roberto Menescal, incluiu no trabalho da Pimentinha sem o conhecimento de Beth.
Depois de a cantora fazer incursões numa roda de samba que acontecia na quadra do Cacique de Ramos, na Zona Norte do Rio, gravou o álbum “De Pé no Chão” (1978), um marco por trazer aquela talentosa turma para o seu disco.
A geração do Cacique seria marcada, além das ótimas composições, pela mudança na instrumentação do samba, com a introdução do repique, tantã e banjo com afinação de cavaquinho. E a cantora, a partir daí, passou a incorporar nos trabalhos seus compositores e músicos, que a chamavam carinhosamente de “Madrinha”.
A obra traz a lista dos compositores mais gravados por ela e a geração caciqueana está em peso: Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto, Jorge Aragão, Luiz Carlos da Vila e Marquinho PQD. Soma-se a eles seu “afilhado” maior, Zeca Pagodinho.
Beth gravou músicas de cunho político-social em seus discos, tema tratado na biografia com relevo. Duas se tornariam hinos: “Agoniza Mas Não Morre”, de Nelson Sargento, lançada em 1978, e “Virada”, de Noca da Portela e Gilper, lançada em 1981.
Para selecionar um repertório para um disco de 12 faixas, Beth Carvalho e seus produtores chegavam a ouvir mais de 400 músicas. A cantora tinha conhecimento de teoria musical e harmonia, o que faria das suas escolhas musicais algo muito criterioso.
Beth teve discos de muitas vendagens, mas o arrefecimento do ciclo do samba tradicional a atingiu. Criticou a música rotulada de pagode nos anos 1990, mas depois amenizou o discurso ao descobrir que boa parte dos pagodeiros a admirava.
Começou a fazer álbuns ao vivo, para atender uma tendência de mercado, pontuada com músicas inéditas. Numa dessas, saiu o seu último sucesso: “Água de chuva do mar” (Wanderley Monteiro, Carlos Caetano e Gerson Gomes), no álbum “Pagode de Mesa 2” (2000).
Já muito acamada, ela chegou a fazer um show deitada num sofá em 2018. Beth deixou uma gravação inédita, ainda não lançada, feita em 2006 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, segundo o livro. A obra de Rodrigo Faour é uma referência de como uma cantora deve construir uma carreira no samba.
BETH CARVALHO: UMA VIDA PELO SAMBA
– Preço R$ 89,90 (440 págs.)
– Autoria Rodrigo Faour
– Editora Sonora Editora/Musickeria
– Lançamento São Paulo: 28/6, às 21h, no Bar Samba – Rua Fradique Coutinho, 1007, São Paulo; Rio de Janeiro: 4 de julho, 19h, na Livraria da Travessa – Av. Afrânio de Melo Franco, 290, Rio de Janeiro