SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na Lapa dos anos 1980, o jornalista Fagundes vai atrás de um malandro profissional em busca de um furo para sua coluna social. Tito Navalha, sem gravata e sem capital, come cabrito com arroz de brócolis acompanhado de um chope gelado enquanto dá detalhes exclusivos sobre os mais respeitados vulgos da cidade.
A cena é baseada na música “Homenagem ao Malandro”, de Chico Buarque, e está contida no livro “Samba – Música Popular em Quadrinhos (MPQ)”, que transforma sambas de sucesso em HQs.
As histórias não assumem uma interpretação literal das canções. A proposta do livro é desafiar os ilustradores a contarem visualmente o enredo, o toque, a batida, o ritmo e o contexto das músicas sem necessariamente recitá-las.
Leandro Assis ilustrou “Homenagem ao Malandro” dando vida a Tito Navalha, um malandro típico do Rio de Janeiro. Em preto e branco, o protagonista narra a variedade da safadeza carioca, que vai de cabo eleitoral a assaltante de velório.
O processo criativo de Assis nasceu da curiosidade e fascínio pelo tema, “desde filme de golpe americano até os malandros brasileiros”. “Essa vida à margem, essa obsessão por não trabalhar e acabar tendo até mais trabalho do que quem trabalha, mas não querer ser o otário, o explorado.”
As ideias para seus personagens vieram das pesquisas em arquivos de jornais antigos na Biblioteca Nacional. “Malagueta, Perus e Bacanaço”, de João Antônio, inspirou o autor a diversificar as histórias e estilos dos vigaristas.
A potiguar Luiza de Souza, conhecida como Ilustra Lu, desenhou um triângulo amoroso ao som de “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa, em seu primeiro quadrinho encomendado. Ela dá vida a Naya, Gegê e Maria, inspirada por “fofocas absurdas de amigas”.
A música compõe a narrativa e integra o cenário, que evolui com o ritmo do pandeiro e “está ali como um componente para fazer você imergir na história”, conta Souza. “Eu tentei fazer uma história que eu ia querer ler, como uma grande fofoca que você está vendo acontecer ali na sua frente.”
O som faz parte da técnica da ilustradora. “Eu faço playlists para cada história. Eu construo os personagens, a narrativa ou a ordem das coisas pensando na trilha sonora.” Billie Eilish na música “Bitches Broken Hearts” inspirou a estética de Nayara, que “resume bem a energia do clipe”.
Ela diz que “o quadrinho é uma ferramenta muito democrática, tanto para quem lê quanto para quem faz.” Então, escolheu contar uma história “com representatividade de gente chata, de gente que não presta, que também é LGBTQIA+”.
Rafael Calça e Tainan Rocha trabalharam em conjunto no quadrinho “Zé do Caroço”, de Leci Brandão. O samba retrata a história do comunicador popular do Morro do Pau da Bandeira, no Rio de Janeiro. Calça criou o roteiro e Rocha ilustrou a HQ.
As páginas têm uma mistura de cores e sensações, que vão de quentes quando mostram a relação de pai e filho até tons frios quando o Zé do Caroço sofre repressão por quebrar o silêncio imposto pela ditadura.
A dupla buscou entender a Vila Isabel dos anos 1970 para contextualizar o Rio de Janeiro da época, sob Ernesto Geisel, e qual era a importância de Zé do Caroço. Segundo Calça, além de ele prestar um serviço social à comunidade, “fazia isso interferindo na novela das nove, num momento de grande distração das pessoas, que ele considerava uma alienação”.
Para Rafael, HQ é cultura popular e as pessoas gostam muito mais de quadrinhos do que pensam. “Parte de uma conversa também passa por emprestar um livro que é importante para você a outra pessoa. Pode ser literatura, pode ser uma história em quadrinhos. Às vezes a gente não tem mais palavras para acolher o outro. Você dá uma história, e ela vai completar tudo que a gente sente.”
A publicação reúne oito contos com 29 páginas cada e foi criada pelo Instituto Guimarães Rosa em parceria com a editora Brasa e a Bienal de Quadrinhos de Curitiba.
Também participam da obra Raphaela Corsi, a Karmaleão, adaptando a música “Alvorada”, de Cartola; Evandro Alves com “Coração Leviano”, de Paulinho da Viola; Odyr Bernardi com “Mestre-Sala dos Mares”, de Aldir Blanc e João Bosco; Christiano Mascaro com “Malandro”, de Jorge Aragão; e André Diniz com “Candeeiro da Vovó”, de dona Ivone Lara.
SAMBA – MÚSICA POPULAR EM QUADRINHOS (MPQ)
– Preço R$ 149,90 (264 págs.)
– Autoria André Diniz, Christiano Mascaro, Evandro Alves, Ilustralu, Leandro Assis, Odyr Bernardi, Rafael Calça, Raphaela Corsi (Karmaleão) e Tainan Rocha
– Editora Brasa