BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quinta-feira (22) o congelamento de R$ 31,3 bilhões em despesas do Orçamento de 2025 para cumprir o limite de gastos do arcabouço fiscal e a meta de resultado primário fixada para este ano.
O Executivo também vai aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para reforçar a arrecadação. A Receita Federal prevê arrecadar R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 40,1 bilhões em 2026 com a medida.
As mudanças elevam a cobrança sobre operações de crédito contratadas por empresas, aportes em planos de previdência acima de R$ 50 mil mensais, remessas para o exterior, compras em moeda estrangeira realizadas por pessoas físicas com uso de cartões de crédito, débito e pré-pagos, e compra de moeda estrangeira em espécie.
As medidas foram anunciadas em conjunto nesta quinta. Sem o decreto do IOF, cujos efeitos já foram incorporados às estimativas, o governo precisaria fazer um esforço ainda maior para fechar as contas do Orçamento.
O valor do congelamento reflete o efeito total da combinação entre bloqueio, feito para compensar o aumento de outras despesas obrigatórias (como benefícios previdenciários), e contingenciamento, necessário quando há frustração na expectativa de arrecadação.
No relatório de avaliação de receitas e despesas do 2º bimestre, a equipe econômica indicou a necessidade de bloquear R$ 10,6 bilhões para respeitar o limite de gastos do arcabouço. Também será preciso contingenciar outros R$ 20,7 bilhões para cumprir a meta, que é de déficit zero, mas cuja margem de tolerância permite resultado negativo de até R$ 31 bilhões.
O contingenciamento poderá ser revertido ao longo do ano caso o governo obtenha novas receitas. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o Executivo planeja reforçar a arrecadação com um novo leilão de petróleo hoje pertencente à União.
Já o bloqueio é mais difícil de ser desfeito, uma vez que depende da redução de gastos obrigatórios, em geral mais engessados.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse em entrevista coletiva que não há como prever agora como será a execução do Orçamento e se haverá possibilidade de reverter parte do contingenciamento, mas o ministro afirmou que o governo vai monitorar os números e, se necessário, adotar novas medidas.
“Esse é um primeiro conjunto de medidas. Não preciso esperar o próximo bimestral para trabalhar naquilo que for necessário para o cumprimento da meta”, disse. Segundo ele, ainda há “algumas questões” que estão pendentes de deliberação do presidente.
Haddad frisou que as medidas tiveram aval de Lula. “Levamos à consideração do presidente, e a determinação foi fazer o que for necessário para fortalecer o arcabouço”, afirmou.
O congelamento de despesas recai sobre os gastos discricionários, que incluem despesas de custeio da máquina (como contratos terceirizados, conta de luz) e investimentos públicos (como obras e aquisição de máquinas e equipamentos). O detalhamento do esforço exigido de cada ministério será publicado em decreto no fim do mês.
No fim de março, o presidente Lula editou um decreto para segurar as despesas de forma preventiva, devido ao atraso na votação do Orçamento de 2025. Na prática, portanto, os ministérios já vinham executando seus gastos mais lentamente. Na época, o Ministério do Planejamento afirmou que a medida ajudaria a criar uma espécie de poupança para futuros bloqueios.
Um dos principais motivos por trás do congelamento de despesas é o aumento nos gastos com benefícios previdenciários. A previsão subiu R$ 16,7 bilhões na comparação com o Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional, dos quais R$ 15,6 bilhões ficam dentro do limite de gastos.
Houve ainda um aumento de R$ 4,5 bilhões nos gastos com subsídios e subvenções, sobretudo com o Plano Safra, e de R$ 2,8 bilhões nas despesas com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
A pressão total nas despesas era de R$ 23,2 bilhões, mas o governo conseguiu atenuar o bloqueio graças a uma prerrogativa prevista na lei do arcabouço fiscal, que permite incorporar o efeito da inflação maior observada nos últimos seis meses de 2024. Essa correção adicional do limite abriu um espaço extra de R$ 12,4 bilhões.
Do lado das receitas, o governo reduziu em R$ 41,7 bilhões sua previsão de arrecadação líquida, daí a necessidade de contingenciar recursos para cumprir a meta.
O secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse que o governo retirou das previsões um total de R$ 81,5 bilhões que haviam sido contabilizados em medidas extraordinárias.
A frustração inclui R$ 28 bilhões em acordos após julgamento por desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), R$ 26 bilhões em transações tributárias (acordos para sanar dívidas de contribuintes com a União), R$ 20 bilhões em medidas de controle de benefícios tributários e R$ 7,5 bilhões que eram esperados com o aumento de alíquotas da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) sobre empresas, não aprovado pelo Congresso.
O secretário disse que, no caso do Carf, parte da frustração se deve a mudanças aprovadas pelo Congresso, que permitiram o pagamento da dívida com o uso de créditos de prejuízo fiscal acumulados pelas empresas. “Não é que não há pagamento. Há, mas o dinheiro não entra”, disse Barreirinhas.
O governo ainda zerou sua expectativa de arrecadação com leilões de ferrovias, que girava em torno de R$ 8 bilhões. Por outro lado, o Executivo incluiu R$ 10 bilhões extras com dividendos de estatais, principalmente BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Caixa, e um incremento de R$ 11,8 bilhões nas receitas previdenciárias.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que a equipe econômica foi conservadora em suas projeções. “A tendência [daqui para frente] é ter surpresas positivas, não mais negativas.”
Com o esforço de contingenciamento, o Executivo prevê entregar um resultado exatamente no limite inferior da meta, que é de déficit de R$ 31 bilhões.
O saldo efetivo das contas, no entanto, será pior, já que ainda há pagamentos de parte dos precatórios (sentenças judiciais) fora das regras fiscais. Neste ano, essa parcela é calculada em R$ 45,3 bilhões. Com isso, o rombo total deve ser de R$ 76,3 bilhões, o que contribui para elevar a dívida pública.
A ministra Simone Tebet (Planejamento) disse que o governo tem obrigação de trabalhar o Orçamento com base no limite inferior da meta, ou seja, o déficit de R$ 31 bilhões. Há um entendimento jurídico, contestado por economistas de fora do governo, de que a obrigação de execução do Orçamento, inserida na Constituição, impede a imposição de uma trava acima do que seria necessário para cumprir a meta, ainda que em seu limite inferior
Apesar disso, Haddad disse que o governo vai continuar perseguindo o centro da meta, que é de déficit zero, e afirmou que busca um resultado melhor do que o observado em 2024, quando o saldo ficou negativo em R$ 43 bilhões, já considerando gastos fora das regras fiscais.
Em um momento de queda de popularidade do governo, o ministro da Fazenda disse que o ajuste fiscal executado pela equipe econômica “não penaliza a camada mais pobre da população”. Mais tarde, quando Haddad já havia deixado a entrevista, seus auxiliares preferiram não fazer comentários sobre eventual impacto das medidas anunciadas sobre a avaliação do governo.
“A gente tem visto recomposição fiscal, não tão rápida quanto gostaríamos, mas é uma recomposição fiscal. Temos o compromisso de seguir”, disse o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan.
Antes mesmo do anúncio oficial, o ministro dos Transportes, Renan Filho, acabou sendo o primeiro integrante do governo a confirmar publicamente o valor do congelamento e o aumento do IOF. Em entrevista a jornalistas após o leilão da BR-163 nesta quinta, em São Paulo, ele disse que o governo quer demonstrar que vai garantir o cumprimento das regras do arcabouço fiscal
“Eu acho muito válido, muito importante. Eu acho que é importante a demonstração clara do governo, desde o início do ano, de que haverá o cumprimento das regras fiscais do país. Isso vai permitir colocar a taxa de juros para baixo e o país crescer em 2026 mais do que em 2025, e o presidente Lula entregar um crescimento superior, talvez, a 12% em quatro anos de governo.”
ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO
O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).
Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.
Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.
Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.
COMO FUNCIONA O BLOQUEIO
O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de saúde e educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).
Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio proporcional nas discricionárias para honrar todas as obrigações sem descumprir o limite global de gastos.
COMO FUNCIONA O CONTINGENCIAMENTO
O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas, com margem de tolerância de 0,25% do PIB para mais ou menos.
Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.
PODE HAVER SITUAÇÃO DE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO JUNTOS?
Sim. É possível que, numa situação de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias é a soma dos dois valores.
Colaborou Paulo Ricardo Martins, de São Paulo