BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aprovou o financiamento de R$ 248,5 milhões a uma obra da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas) que impacta uma área remanescente de floresta em Belém, cidade que sediará a cúpula da ONU em novembro.
A duplicação e o prolongamento da rua da Marinha, uma via extensa que margeia uma área verde na capital do Pará, provocam o desmatamento de vegetação amazônica, com perdas de árvores de 64 espécies, sendo cinco de maior importância ecológica e duas integrantes da lista oficial de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.
O impacto ambiental é descrito nos documentos do processo de licença, concedida por órgão do governo do Pará, responsável pelas obras.
A contrapartida da gestão do governador Helder Barbalho (MDB), em relação ao valor que o BNDES desembolsará, será de R$ 4,5 milhões. As obras já estavam em ritmo avançado antes mesmo do aval do banco.
O governo do Pará diz que a ampliação da rua da Marinha integra o pacote de obras da COP30 porque será necessário abrir espaços para a circulação do público durante a conferência, quando são esperadas 40 mil pessoas. E também para melhorar o tráfego e o acesso de carros ao estádio do Mangueirão, que poderá ser usado na COP, segundo o governo local.
A aprovação do repasse dos R$ 248,5 milhões a uma obra da COP30 com impacto ambiental foi comunicada pela diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, no último domingo (18). Campello esteve em Belém para a entrega de uma obra de saneamento, relacionada à COP, com financiamento do banco público.
Três meses antes, também em Belém, Campello afirmou que o BNDES ainda não tinha autorizado a liberação do dinheiro para as obras da rua da Marinha e que a instituição avaliava as questões ambientais na análise do projeto.
Naquele momento, o governo do Pará já divulgava que as obras contavam com dinheiro do BNDES. E chegou a apontar, em dois documentos apresentados à Justiça do Pará, que era necessário prosseguir com o empreendimento em razão do financiamento do banco, mesmo sem ainda ter existido a liberação do crédito.
A primeira instância da Justiça atendeu a um pedido do MP (Ministério Público) estadual e concedeu liminar paralisando as obras. A decisão foi derrubada poucos dias depois na segunda instância.
“Não se pode autorizar uma obra cujo licenciamento ambiental não esteja dentro do adequado. Então ela está sendo analisada”, disse a diretora do BNDES em fevereiro.
O banco acabou aceitando o licenciamento conduzido pelo governo estadual. Em 2024, o município de Belém chegou a negar a concessão da licença em razão dos impactos ambientais.
A negativa do licenciamento na esfera municipal foi feita na gestão passada da prefeitura. O prefeito eleito e que assumiu o cargo em 1º de janeiro, Igor Normando (MDB), é aliado e primo de segundo grau do governador.
Houve, então, uma mudança no entendimento da gestão municipal, que disse que a competência do licenciamento é do estado.
Em nota, o BNDES afirmou que seguiu todas as etapas previstas nas políticas do banco, de forma rigorosa, “sem nenhuma flexibilização”. A instituição levou em conta o licenciamento feito pelo governo do Pará e manifestações do município.
“Não é correto afirmar que o BNDES ignorou os impactos ambientais. O banco acompanhou, aguardou, avaliou o conjunto de documentos dos órgãos envolvidos na obra”, disse.
Todas as etapas da obra serão fiscalizadas, assim como as condições estabelecidas na licença, afirmou o BNDES. “A liberação de cada parcela do crédito relativa ao projeto fica condicionada à inexistência de decisão judicial e/ou administrativa que possa impactar negativamente o andamento das obras.”
O banco concordou com o entendimento de que o município não deveria conduzir o licenciamento e aceitou a licença emitida pelo governo estadual. Foram analisadas as autorizações de desmatamento, dadas para o prosseguimento das obras, e o plano de manejo de fauna.
O governo do Pará diz que o empreendimento está dentro da legalidade.
“A obra da rua da Marinha integra um complexo metropolitano de mobilidade e compreende mais de um município”, afirma. “A atribuição da análise é estadual e a obra possui licença prévia e de instalação.”
A rua da Marinha passa por um bairro populoso em Belém e se estende até uma área de vegetação. O projeto duplicará a via existente e rasgará uma área sem avenida, para conexão a outra via expressa, de grande movimento.
O empreendimento prevê uma permuta com a Marinha, em razão de partes atingidas estarem dentro de áreas usadas pela Força. Isso pode incluir reparação e construção de prédios aos militares, além de espaços como pátio de cerimônia e estacionamento, como mostra uma planilha feita pela Marinha. Conforme esse documento, a contrapartida pode chegar a R$ 74 milhões.
A licença para “requalificação ambiental” da avenida permite a conversão de uma pista única em duas pistas com três faixas cada uma.
A autorização ambiental foi dada em 26 de agosto de 2024, horas após a conclusão do relatório sobre o impacto a flora e fauna -os técnicos disseram sim ao prosseguimento da licença.
Ingá-vermelho e embaubarana são algumas das espécies de maior importância ecológica que estão no caminho do empreendimento. As espécies ameaçadas de extinção, na categoria “vulnerável”, são angelim-pedra e ucuuba, conforme o relatório da área ambiental.