SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Agentes secretos da Rússia adotaram identidades brasileiras para forjar vidas comuns no país antes de partir em missões internacionais, segundo a PF (Polícia Federal).

Por anos, o Brasil serviu como ponto de partida para a elite da espionagem russa, segundo uma reportagem do jornal “The New York Times”. Em silêncio, agentes do Kremlin apagaram o passado soviético e assumiram nomes, documentos e profissões brasileiros. Fingiam ser empreendedores, modelos, acadêmicos, casais apaixonados. Abriram empresas, construíram vínculos e viveram entre a população —até desaparecerem, quase sempre, antes que fossem desmascarados.

A investigação da Polícia Federal, batizada de Operação Leste, já identificou pelo menos nove agentes russos com identidades brasileiras falsas. Apenas um está preso. Os demais escaparam, a maioria para países como Uruguai, Portugal e Namíbia. Confira os nomes brasileiros que nunca existiram —e os rostos por trás da farsa.

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VICTOR MULLER FERREIRA

Nome verdadeiro: Sergey Vladimir Cherkasov

Descoberto em: abril de 2022

Primeiro a ser desmascarado pela PF após alerta da CIA. Cherkasov tentou se infiltrar no Tribunal Penal Internacional, na Holanda, usando identidade brasileira. Tinha documentos autênticos: passaporte, título de eleitor e certificado militar. Foi preso no Brasil por falsidade ideológica e segue detido em Brasília.

GERHARD DANIEL CAMPOS WITTICH

Nome verdadeiro: Artem Shmyrev

Descoberto em: dezembro de 2022

Empresário do ramo de impressão 3D no Rio, vivia com uma brasileira e tinha rotina comum. Após monitoramento da PF, fugiu do Brasil dias antes da emissão do mandado de prisão. Deixou para trás R$ 60 mil em espécie, equipamentos eletrônicos e mensagens trocadas com a esposa russa, também agente.

ERIC LOPES

Nome verdadeiro: Aleksandr Andreyevich Utekhin

Descoberto em: início de 2023

Se apresentava como joalheiro e chegou a pagar para aparecer em programa de TV. Falava português com sotaque, evitava entrevistas e usava funcionários como fachada. Quando a PF chegou às lojas, ele já havia desaparecido. Investigações apontam passagem pelo Oriente Médio.

MANUEL FRANCISCO E ADRIANA CAROLINA PEREIRA

Nomes verdadeiros: Vladimir Danilov e Yekaterina Danilova

Descobertos em: 2023 (reconhecimento via inteligência internacional)

Casal russo que viveu no Brasil até 2018 e depois se mudou para Portugal. As identidades falsas foram desmascaradas com a ajuda de agências ocidentais. Desapareceram antes de a PF agir.

MARIA ISABEL MORESCO GARCIA

Nome verdadeiro: não divulgado

Descoberta em: 2023

Espiã loira, que se apresentava como modelo brasileira. Vivia com Federico Luiz Gonzalez Rodriguez, também com identidade brasileira falsa. Ambos usavam documentos brasileiros e deixaram o país antes de serem localizados. Acredita-se que tenham seguido para a Europa.

MARIA LUISA DOMINGUEZ CARDOZO

Nome verdadeiro: Olga Igorevna Tyutereva

Descoberta em: outubro de 2024 (via alerta da Interpol emitido pelo Uruguai)

Obteve documentos no Brasil e depois passaporte uruguaio. A última localização confirmada foi na Namíbia. Está na lista de alertas azuis da Interpol.

ROMAN OLEGOVICH KOVAL E IRINA ALEKSEYEVNA ANTONOVA

Nomes brasileiros não divulgados

Descobertos em: final de 2024

O casal vivia com identidades brasileiras ainda não divulgadas. Ambos deixaram o Brasil em 2023 rumo ao Uruguai e foram identificados posteriormente pelas autoridades. Foram identificados após trocas de informações com agências internacionais de inteligência. Seus nomes reais constam nos alertas azuis da Interpol.

Segundo o New York Times, o passaporte brasileiro foi um dos principais atrativos para os espiões russos. Com ele, é possível entrar em dezenas de países sem necessidade de visto, o que facilita missões internacionais sem levantar suspeitas em fronteiras.

Outro ponto destacado pela reportagem é a miscigenação da população brasileira. De acordo com investigadores citados pelo jornal, pessoas com traços europeus ou sotaques leves passam despercebidas, o que ajuda os agentes russos a manterem o disfarce por mais tempo.

Além disso, a vulnerabilidade do sistema de registros civis foi explorada pelos infiltrados. Em áreas rurais do Brasil, a emissão de certidões de nascimento pode ocorrer apenas com o testemunho de terceiros, sem necessidade de comprovação médica. Conforme apurou o NYT, essa brecha permitiu a criação de identidades completamente novas com documentos autênticos, mas baseados em dados fictícios.