SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Representantes de salas de cinema do Brasil criticaram o relatório de Jandira Feghali (PCdoB-RJ) para o PL do streaming. No texto da parlamentar, propõe-se a diminuição da chamada “janela de exibição”, que é o período mínimo de exibição exclusiva em salas de cinema, antes que os filmes saiam em plataformas de streaming ou outras mídias. A carta é assinada pela Aexib, a Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinema de Pequeno e Médio Porte.
Atualmente não há obrigatoriedade quanto ao tempo mínimo em cartaz nas salas de cinemas. O tema foi incluído no PL através de emenda do deputado Mersinho Lucena (PP-PB), que propunha que as distribuidoras que optassem por lançar filmes em salas de cinema comerciais deveriam mantê-los em cartaz por no mínimo 180 dias.
O relatório de Jandira considerou “excessiva” uma janela de exibição de 180 dias, proposta no PL relatado por Eduardo Gomes (PL-TO), e concordou com um prazo de nove semanas. Ou seja, a proposta de prazo de exibição exclusiva nas salas de cinema cairia para um terço.
De acordo com Jack Silva, representante da Aexib e membro do Conselho Superior do Cinema, muitos filmes têm sido lançados nas salas de cinema, por poucas semanas, apenas para ganhar um verniz de “filme de cinema”, e evitar a pecha menos glamorosa de “direct-to-video”, historicamente associada a obras de menor apelo artístico ou comercial. Depois de uma ou duas semanas em cartaz nas salas, vão logo para as plataformas de streaming.
“O cinema passa a ter o streaming como uma concorrência. Muitas pessoas deixam de ir aos cinemas já aguardando serem lançados nas plataformas. Quando chegam nas plataformas, rapidamente os filmes já aparecem nos ‘meios alternativos’, ou seja, pirataria. Isso, consequentemente, interfere na arrecadação dos filmes, tanto para os cinemas, quanto para produtores, diretores e distribuidores.”
Segundo a carta, após a pandemia, o setor cinematográfico enfrentou uma significativa mudança na forma de distribuição de filmes. “Muitas distribuidoras optaram por lançamentos simultâneos nas salas de cinema e nas plataformas de streaming, um experimento que rapidamente revelou consequências prejudiciais para toda a cadeia produtiva do audiovisual.”
A eliminação das tradicionais janelas de exibição, segue a carta, “desviou a venda de ingressos, favoreceu o crescimento da pirataria e causou perdas financeiras aos atores, diretores e produtores, que dependem da bilheteria para viabilizar novos projetos”.
“O streaming passou a ser visto como um importante complemento ao setor, mas é fundamental reconhecer que o grande modelo de negócios de longo prazo ainda é impulsionado pelo cinema”, afirma a Aexib.
A associação coloca como exemplo “Ainda Estou Aqui”, que ficou em cartaz 21 semanas período considerado longo, mas menos do que 180 dias.
A Sony, distribuidora do filme no Brasil, avisou aos cinemas brasileiros que o longa dirigido por Walter Salles precisava sair de cartaz a partir do dia 2 de abril, por pressão do streaming. Segundo a associação dos exibidores, vários cinemas ainda queriam continuar exibindo a obra.
Numa troca de emails revelada pela coluna da jornalista Mônica Bergamo, um profissional da distribuidora afirma que o longa precisaria deixar de ser exibido na telona porque iria estrear na plataforma de streaming Globoplay.
Segundo dados da Aexib, via plataforma Comscore, nas primeiras nove semanas de cartaz, entre novembro e janeiro, a bilheteria de “Ainda Estou Aqui” levou 3,1 milhões de pessoas aos cinemas e teve renda de R$68,3 milhões. Nas 12 semanas seguintes, o público e a arrecadação deram uma arrefecida, trazendo 2,7 milhões de pessoas e vendendo R$49,7 milhões em ingressos. Ao todo foram 5,8 milhões de pessoas e R$118 milhões gerados.
“Diante disso, é imperativo rever a decisão da relatora Deputada Jandira Feghali, que considerou nove semanas como suficientes para a janela de exibição. Reivindicamos que a Lei Toni Venturi [PL do streaming] estabeleça uma janela mínima de 180 dias, garantindo a valorização da produção cinematográfica e a proteção dos cinemas”, é afirmado na carta.
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Leia a carta na íntegra:
Brasília, 21 de maio de 2025
Ao Congresso Nacional,
À relatora do Projeto de Lei Toni Venturi Deputada Jandira Feghali,
À Comissão de Cultura da Câmara Federal,
Ao Senador Randolfe Rodrigues,
Ao Presidente do Senado Davi Alcolumbre,
Ao Senado Federal,
Aos meios de comunicação, imprensa
Prezados parlamentares e representantes da imprensa,
Após os desafios impostos pela pandemia, o setor cinematográfico enfrentou uma significativa mudança na forma de distribuição de filmes. Muitas distribuidoras optaram por lançamentos simultâneos nas salas de cinema e nas plataformas de streaming, um experimento que rapidamente revelou consequências prejudiciais para toda a cadeia produtiva do audiovisual. A eliminação das tradicionais janelas de exibição desviou a venda de ingressos, favoreceu o crescimento da pirataria e causou perdas financeiras aos atores, diretores e produtores, que dependem da bilheteria para viabilizar novos projetos. O streaming passou a ser visto como um importante complemento ao setor, mas é fundamental reconhecer que o grande modelo de negócios de longo prazo ainda é impulsionado pelo cinema.
A janela de exibição tem papel essencial na sustentabilidade das salas de cinema, especialmente nas pequenas cidades e do interior. Muitas dessas localidades não conseguem aderir a lançamentos simultâneos, e quando o filme finalmente tem espaço para entrar em cartaz, ele já está disponível em plataformas digitais, muitas vezes pirateado. Esse encurtamento da janela prejudica as receitas das salas, desestimula a experiência cinematográfica e fragiliza toda a indústria audiovisual.
Um exemplo claro da importância de uma janela prolongada foi o filme ‘Ainda Estou Aqui’. Lançado nos cinemas em 7 de novembro de 2024 e chegando às plataformas de streaming apenas em 6 de abril de 2025, 21 semanas após a estreia. A janela utilizada neste caso, permitiu que muitos cinemas mantivessem ou até trouxessem o filme de volta à programação, resultando em mais de 118 milhões de reais em bilheteria e um público de mais de 5.8 milhões de espectadores nos cinemas brasileiros. Caso o lançamento digital tivesse ocorrido após apenas 9 semanas e o filme deixado de ser exibido nos cinemas a partir 9 de janeiro de 2025 (semana em que foi premiado com o Globo de Ouro), conforme dados de mercado, o público nos cinemas teria sido de um pouco mais de 3.1 milhões de expectadores, gerando cerca 68 milhões de reais em renda, uma perda significante de mais de 50 milhões de reais e pelo menos 2.6 milhões de pessoas deixariam de ver nos cinemas, conforme números finais de exibição. Além disso, a distribuição tardia no streaming não prejudicou a plataforma, mas, ao contrário, beneficiou a obra ao prolongar seu impacto cultural e financeiro.
Na França, país que compreende a relevância da exibição cinematográfica para a indústria, há uma política de proteção à janela de exibição de 180 dias (6 meses) antes da chegada dos filmes ao streaming. Esse modelo incentiva a bilheteria, protege o circuito exibidor e fortalece o cinema como centro da experiência audiovisual.
Os cinemas são grandes geradores de empregos diretos e indiretos, movimentando setores como bilheteria, projeção, manutenção e serviços gerais, além de impulsionar áreas como turismo, comércio e publicidade. A preservação das salas de cinema não apenas fortalece a cultura, mas sustenta milhares de trabalhadores que dependem dessa atividade para sua subsistência. Garantir uma janela de exibição adequada é essencial para manter essa cadeia produtiva ativa e proteger um setor que contribui significativamente para a economia nacional.
Ainda assim, infelizmente, no Brasil, os exibidores cinematográficos têm sido marginalizados das discussões que envolvem essa questão, apesar de enfrentarem severas dificuldades financeiras e diversas regulamentações, como Cota de Tela (nada contra) e obrigações sociais relacionadas à meia-entrada. O setor não recebe apoio efetivo, além de financiamentos que apenas aumentam o endividamento. Diante disso, é imperativo rever a decisão da relatora Deputada Jandira Feghali, que considerou 9 semanas como suficientes para a janela de exibição. Reivindicamos que a Lei Toni Venturi estabeleça uma janela mínima de 180 dias, garantindo a valorização da produção cinematográfica e a proteção dos cinemas.
Por fim, ressaltamos a necessidade urgente do retorno do PAR Prêmio Adicional de Renda, previsto no art. 54 da MP 2228-1, igualmente essencial para a sobrevivência dos cinemas brasileiros.
Atenciosamente,
AEXIB Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinema de Pequeno e Médio Porte