FOLHAPRESS – Uma criatura azul cai por acidente na Terra. Com antenas, garras e quatro braços, o bicho é dominado por instintos de malcriação. Até que ele conhece uma garotinha de seis anos e aprende a se comportar que nem gente. Ou, pelo menos, na medida do possível.

Do “E.T.” de Steven Spielberg ao Banguela de “Como Treinar Seu Dragão” —trilogia animada também prestes a ganhar seu live-action—, o encontro de crianças e monstrinhos carismáticos levou aos cinemas diferentes frutos. Da fórmula surgiram duplas memoráveis e a inocência entre a pureza e o desconhecido se mostrou receita para o sucesso.

Com a animação “Lilo & Stitch”, lançada em 2002, o resultado não foi diferente. A Disney apresentava o seu próprio diabo-da-tasmânia e descobria uma forma original de falar sobre laços improváveis. De atração temática à estrela de televisão, o ser caótico ganhou o coração de pais e filhos e se tornou favorito das lojas de pelúcia.

Mais de duas décadas depois, Stitch volta aos cinemas num mundo de carne e osso. O Havaí da vez não é tão empolgante quanto o do desenho, mas a fofura sobrevive à computação gráfica que o permite interagir com sua família desequilibrada.

A história é a mesma, tirando a função de um personagem ou outro. Classificado como máquina de destruição, o alienígena foge de seu planeta após ser condenado à prisão. Perseguido por dois conterrâneos, ele se esconde em um abrigo para cães. É onde encontra a pequena Lilo Pelekai, menina que pena para se conectar com a irmã mais velha após perder os pais.

A solidão e a busca por esconderijo falam mais alto e surge uma dupla pronta para aprontar todas. É nesses momentos de contato, quando a perseguição desacelera, que o filme encontra sua maior força. A forma como a garota se apaixona pelo bichinho convence e os efeitos digitais de Stitch superam o de outros live-actions do estúdio. Parecem melhor integrados aos espaços reais, pensados com maior cuidado.

Os raios de sol que invadem a casa da família Pelekai também chamam a atenção. O longa abandona o desinteresse visual de empreitadas recentes —que mesmo em universos fantasiosos imprimem cores dessaturadas e composições sem qualquer contraste— e tem o mínimo de preocupação ao filmar seus espaços. Especialmente se comparado com tentativas anteriores.

A cena em que as irmãs e o pet endiabrado surfam, muito criticada após a divulgação do primeiro trailer, é um exemplo. Existe algum manejo na câmera que grava as ondas, no modo como elas preenchem a tela e na textura de planos subaquáticos. Talvez isso não seja sorte e o diretor Dean Fleischer Camp —que explorou o mar, indiretamente, no elogiado “Marcel, a Concha de Sapatos”— mereça o reconhecimento.

De todo jeito, é curioso que o projeto vivido por uma encarnação do caos se destaque durante a calmaria. Ou, justamente, quando se propõe a capturar, domar alguma força da natureza. E é na tentativa de simular o frenesi de Stitch que a coisa desanda.

Resumida a esquetes, a diversão dos protagonistas vai pouco além da destruição de brinquedos e copos e de arruinar entrevistas de emprego. A música surge como obrigação dessas sequências e os acontecimentos não parecem ter dimensão além do começo e fim das cenas.

Não que as arruaças devessem estar interligadas em uma estrutura maior de causa e consequência. Pelo contrário. Se funcionassem como unidades independentes, explorando possibilidades da comédia e da imaginação infantil, poderiam até justificar a existência desta produção. No máximo, algumas tentativas de humor físico arrancam risos tímidos.

Mas a automatização dos live-actions —talvez só superada pelo realismo fantástico de “Chico Bento”, que invoca objetos e projeta seu corpo para o de um passarinho— exige que tudo seja fidedigno, mesmo em uma realidade que mistura homens e extraterrestres. As explosões do monstrengo são aprisionadas em um campo minado, com a diferença de que se sabe muito bem onde pisar.

O mesmo se traduz no texto, que parece evitar grandes conflitos e se contentar com dificuldades que se resolvem da noite para o dia. O descaso com os compatriotas digitais de Stitch também é evidente.

Se antes Pleakley usava roupas femininas —o que o tornou símbolo mínimo de representações à frente do tempo—, sua transformação em humano inviabiliza até mesmo a piada de ser péssimo com disfarces. Quanto a Jumba, o cientista maluco acumula papéis e se torna o antagonista, decisão estranha a uma história que desconstrói falhas de suas presenças mais grotescas.

O cartaz de um cachorro e sua dona que Lilo e Stitch encontram no abrigo é um sintoma perfeito desse problema —ao final, o filme quer que se pareçam mais com a publicidade do que celebrem as diferenças.

LILO & STITCH

– Avaliação Regular

– Quando Em cartaz nos cinemas

– Classificação Livre

– Elenco Maia Kealoha, Sydney Agudong e Billy Magnussen

– Produção Estados Unidos, 2025

– Direção Dean Fleischer Camp