SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um sugestão feita pelo MPF (Ministério Público Federal de São Paulo), que propõe adiar a cobrança de multas na rodovia Presidente Dutra (BR-116) após o início da operação do free flow (pedágio eletrônico), previsto para o segundo semestre deste ano, gerou preocupação em empresas de tag. A Abepam (entidade que reúne companhias como Sem Parar e Veloe) prevê possível impacto no ritmo de crescimento da base de usuários no Brasil.
No modelo free flow, a cobrança é feita pelos pórticos, que substituem as praças de pedágio e são equipados com tecnologia para identificar os veículos por meio de tags, em que a cobrança é automática, ou da placa, que exige ao usuário entrar no sistema da concessionária e fazer o pagamento.
A sugestão de adiar as multas partiu do procurador Guilherme Rocha Gopfert durante uma audiência pública sobre o tema em abril. Ele fez a proposta para o trecho de Guarulhos, na Grande São Paulo.
“A população vai estar aprendendo, mas vai estar aprendendo com multas. Vai aprender perdendo ponto na carteira, tendo um custo muito maior”, disse Gopfert durante a audiência.
À Folha de S.Paulo o MPF disse em nota estar “em tratativa com os demais atores envolvidos na implementação do pedágio automático para buscar a adoção dessa e de outras medidas aventadas na audiência pública”. Ainda segundo a instituição, se as negociações extrajudiciais não viabilizarem soluções necessárias, o MPF poderá acionar a Justiça.
A Abepam (Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade) diz, em nota à reportagem, que a medida pode trazer impacto para o setor de pagamento automático, se for interpretada como um indício de flexibilização excessiva no processo de transição para o novo modelo.
A entidade afirma que a postergação de penalizações pode afetar, em alguma medida, o ritmo de crescimento da base de usuários de tags no Brasil. De acordo com dados da associação, hoje o setor reúne 15 milhões de tags ativas no país, 67% a mais do que em 2023. A expectativa da Abepam é que esse número chegue a 20 milhões até 2027, impulsionado por rodovias muito movimentadas, como a Dutra.
“A experiência internacional revela a importância de uma implementação consistente. Na África do Sul, por exemplo, políticas excessivamente flexibilizadas, com anistias sucessivas a motoristas inadimplentes, tornaram o sistema financeiramente insustentável. O país encerrou a experiência com o free flow em 2024. Já o Chile, que opera o modelo desde 2004, teve êxito na consolidação do sistema, mesmo enfrentando, em determinados momentos, desafios com inadimplência em torno de 10%. O caso chileno demonstra que o sucesso do free flow depende da combinação entre persistência, tecnologia, comunicação clara, fiscalização efetiva e incentivos atraentes para escalar a adesão”, escreveu a Abepam em nota.
A reportagem questionou o Ministério Público se a isenção de multas valeria somente para motoristas sem tag ou se abrangeria todos os usuários da Dutra. Segundo o MPF, “o alcance da carência na cobrança de multas só será definido após a eventual confirmação da aplicação dessa carência”.
Durante a audiência de abril, o procurador Rocha Gopfert defendeu também que a concessionária emita boleto de cobrança do pedágio e envie ao motorista. Dessa forma, o usuário não precisaria acessar os canais da CCR RioSP para realizar o pagamento.
“Os canais são importantes e devem ser mantidos. Mas não pode mandar a cobrança no fim do mês para a casa da pessoa? Eu não consigo entender, sinceramente. Se for pegar [de exemplo] uma operadora, quantos milhões de clientes tem a Vivo? Ela não manda cobrança para todo mundo? Não pode boletar essas pessoas?”, questionou Gopfert.
Concessionária da rodovia, a CCR RioSP disse em nota que “atua estritamente conforme as diretrizes definidas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a quem cabe a regulamentação e a supervisão do modelo”.
“Importante ressaltar que para elaboração do atual contrato de concessão, a ANTT realizou cinco audiências públicas com objetivo de aprimorar o diálogo com a sociedade para receber contribuições às minutas de edital e contrato, sendo que uma das audiências foi realizada na cidade de Guarulhos”, completou a concessionária.
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) diz estar envolvida nas discussões sobre implantação do free flow nas concessões rodoviárias federais e afirma manter diálogo contínuo com a CCR RioSP e com o MPF.
“A penalidade por evasão de pedágio está prevista no Código de Trânsito Brasileiro e representa um instrumento importante para garantir a adesão ao sistema e a viabilidade da concessão, assegurada pelos investimentos previstos no contrato. No entanto, a ANTT entende que a implantação do free flow deve considerar medidas de adaptação dos usuários, motivo pelo qual discute com os atores envolvidos a melhor forma de aplicação dessa transição, com transparência”, escreveu a agência em nota.
Ao todo, a Dutra terá 21 pórticos de free flow, em um trecho de 25 quilômetros entre Arujá e capital paulista. Nesse modelo, a cobrança é feita pelos pórticos, que substituem as praças de pedágio e são equipados com tecnologia para identificar os veículos.
Recentemente, a CCR RioSP, concessionária responsável pela estrada, adiou a operação dos pórticos de free flow para o início do segundo semestre. Foi o segundo adiamento. Tanto as obras quanto o começo de operações dos pedágios foram anunciados inicialmente para o primeiro trimestre deste ano.
Depois que o free flow entrar em operação, a cobrança será feita automaticamente pela operadora contratada para motoristas que utilizam tag, como Sem Parar e Veloe. Os motoristas que não utilizarem essa ferramenta terão de acessar o site ou outros canais da concessionária em até 30 dias e realizar o pagamento.
Se o valor do pedágio não for quitado, o motorista recebe multa, e o dono do veículo perde pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação).
Na opinião de Fernando Vernalha, sócio-fundador do escritório Vernalha Pereira, a solução adotada, qualquer que seja, não pode prejudicar a concessionária, para que não haja desequilíbrio contratual. Segundo a implementação do free flow exigiu um planejamento complexo pela CCR RioSP e pela ANTT, com tarifa programada, gerenciamento de tráfego e outras questões.
“O que o Ministério Público está propondo é algo que, na minha opinião, não se compatibiliza com o planejamento que foi feito no âmbito da implantação do free flow e acho que não seria, inclusive, necessário. Veja, basta reforçar a sinalização e disseminar a informação sobre o início da operação do free flow para que os usuários sejam adequadamente informados sobre as consequências do não pagamento da tarifa”, afirma.
Para Luís Felipe Valerim, professor FGV Direito SP e sócio do escritório VLR Valerim Advogados, a medida proposta pelo MPF traz insegurança jurídica ao setor e pode gerar embates semelhantes em outros estados.
“É justamente esse tipo de intervenção que faz com que tenha insegurança jurídica. O projeto foi muito bem maturado, estruturado e debatido. Graças à mecânica dos contratos que foram modelados, passou por audiência pública, pelos órgãos de controle e por licitação”, diz.