BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) quer criar um novo tipo de licenciamento ambiental, que permite ao governo federal acelerar o andamento de empreendimentos como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, independentemente do risco ambiental.
Ele protocolou uma emenda com a sugestão dentro do projeto que flexibiliza e simplifica as regras do licenciamento ambiental, e está previsto para ser votado no plenário do Senado esta quarta (21). Se aprovado, o texto deve voltar à Câmara.
Procurado, ele não respondeu até a publicação desta reportagem.
A Folha de S.Paulo antecipou o texto, que cria a chamada “Licença Ambiental Especial (LAE)”. Ela permite ao Conselhão escolher empreendimentos classificados como estratégicos, que passam por um processo muito mais simples do que o comum, com uma única etapa de análise pelo órgão licenciador, independentemente do seu potencial de dano ao meio ambiente e do uso de recursos naturais.
“É para liberar geral todos os empreendimentos que forem considerados politicamente relevantes”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Alcolumbre impulsionou o projeto de licenciamento (em linha com que querem os ruralistas) como forma de pressionar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é contrária à exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
De maneira geral, o projeto em trâmite flexibiliza processos, mas aumenta possíveis penas. Tem apoio de 89 entidades do setor produtivo.
A versão atual do projeto do licenciamento limita a área de impacto ambiental avaliada, permite que empreendimentos avancem mesmo com parecer contrários de outros órgãos, enxuga a consulta às comunidades afetadas e reduz as Terras Indígenas e Quilombolas consideradas nos processos.
A bancada ruralista, principal fiadora da proposta, defende que ela dá segurança jurídica, unifica a legislação, simplifica processos que hoje se arrastam por anos e dá autonomia a órgãos reguladores municipais e estaduais, beneficiando o desenvolvimento econômico.
Críticos apelidaram a proposta de “mãe de todas as boiadas” ou de “PL da Devastação”, e apontam pontos que vão contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dentre eles a própria LAC (Licença por Adesão e Compromisso), concedida sem análise individual desde que o empreendedor se comprometa a aderir a condições pré-estabelecidas e que vale para casos de pequeno e médio porte.
Marina Silva e seus aliados foram a público criticar o texto, mas saíram derrotados, enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em geral se omitiu. Ministérios como o da Agricultura e dos Transportes o defendem e, com o empenho do presidente do Senado, o texto voltou a avançar neste mês.
O projeto do licenciamento ambiental pode impulsionar o desmatamento, a mineração, obras do Novo PAC e o petróleo na Foz do Amazonas, atividade que seria beneficiada também pelo novo tipo de licenciamento proposto por Alcolumbre.
De acordo com a emenda apresentada, revelada pela reportagem, a autoridade licenciadora poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas por ela, a depender da “atividade ou de empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente”.
Hoje, empreendimentos de grande impacto ambiental ficam concentrados sobretudo no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e passam por um processo de várias etapas.
A redação da LAE da brecha até para que o EIA (Estudo de Impacto Ambiental), o principal mecanismo de proteção da natureza do licenciamento, seja dispensado, se assim for definido pelo órgão licenciador.
Segundo a emenda, toda a análise do impacto ambiental não pode durar mais de 12 meses, e tem duração máxima de dez anos.
Nas últimas semanas, Alcolumbre chegou a sugerir um rascunho dessa emenda a outros senadores, que preferiram não analisar seu mérito, sob argumento que o projeto do licenciamento já era bastante polêmico e não cabia criar uma inovação deste tamanho de uma hora para outra.
Na sessão desta quarta, o próprio presidente do Senado decidiu assinar a emenda para a criação da LAE, que ainda precisa ser aprovada pelo plenário.
A criação de uma categoria especial para empreendimentos estratégicos foi tentada em 2015, por iniciativa de Romero Jucá, então senador pelo MDB de Roraima. O projeto previa uma licença única para esse grupo, e acabou arquivado.
Especialistas consultados pela reportagem afirmam que uma classificação como essa abre espaço para critérios subjetivos e influência política em processos técnicos.
A depender de interesses e do órgão responsável, uma licença precária poderia autorizar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e usinas hidrelétricas ou a carvão, a despeito do impacto ambiental, sob argumento de garantia da segurança energética.
A mineração em Terras Indígenas, sob justificativa de extração de substâncias para a transição energética, ou a construção de barragens, para segurança hídrica, são outros exemplos.
“Pode-se pressupor que ela tem um claro objetivo de possibilitar a expansão da exploração de petróleo na Foz do Amazonas ou qualquer outra atividade, mesmo que danosa ao meio ambiente”, diz Gabriela Nepomuceno, do Greenpeace Brasil.
Andrea Navarro, especialista em contratos e desenvolvimento de novos negócios e sócia da Ruzene Sociedade de Advogados, afirma que qualquer flexibilização do licenciamento traz riscos, mas pode contribuir para o desenvolvimento econômico, se bem conduzida.
“Se aprovado o licenciamento ambiental especial, a avaliação de cada empreendimento ou atividade será individual e condicionada, devendo ser observado o porte, natureza, localização e considerado o potencial poluidor. Os entes licenciadores irão deliberar sobre cada uma destas condições e deverão continuar exercendo o papel de fiscalização”, diz.
Este projeto incorporou ainda uma outra emenda, que prioriza a análise de empreendimentos no Norte, região de Alcolumbre.
“Empreendimentos localizados na Região Norte do país, especialmente nas áreas com mais de 50% (cinquenta por cento) do seu território ocupado por unidades de conservação, terras indígenas, florestas públicas ou outras formas de proteção ambiental, terão prioridade de análise pelos órgãos licenciadores”, diz o texto.