CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Os internautas que ficaram alvoroçados com a ideia de um romance gay entre Paul Mescal e Josh OConnor podem se aquietar. “The History of Sound” não é nada do que as tietes dos “it boys” do momento pensaram que seria.
Apesar de ser dirigido por Oliver Hermanus, que em seu último trabalho, a série “Mary e George”, não economizou nas cenas de sexo e nudez, o longa que concorre à Palma de Ouro neste Festival de Cannes está interessado mais na inimidade das palavras do que na dos corpos.
“The History of Sound” é sóbrio, delicado, comportado. Há cenas de sexo, claro, mas sem espaço para muita inventividade ou ousadia, apesar de tanto Mescal quando OConnor já terem protagonizado nus frontais em trabalhos anteriores, também interessados em discutir sexualidade ”Normal People”, no primeiro caso, e “O Reino de Deus”, no segundo.
Por isso, aqui, cabe a distinção entre fazer sexo e fazer amor. Os personagens Lionel e David estão mais interessados no segundo, e se entregam por completo à paixão que deriva mais de uma afinidade intelectual do que de uma atração sexual.
É um pouco como em “Moffie”, outro longa do diretor sul-africano a versar sobre a homossexualidade em épocas passadas.
“The History of Sound”, ou “a história do som”, acompanha Lionel, que por influência do pai canta desde criança. Quando conhece David, outro aficionado pela música, os dois se tornam melhores amigos e, então, amantes.
Uma série de contratempos os afasta, porém. Primeiro vem a Grande Guerra, que desloca o segundo personagem dos Estados Unidos para as trincheiras da Europa. Depois, a óbvia impossibilidade de viverem aquela relação por completo no início do século passado.
Seu amor é selado numa viagem pelo interior dos Estados Unidos, em que passam de cidadezinha em cidadezinha gravando as canções regionais que encontram, para uma pesquisa acadêmica.
Eles trabalham de dia e fazem amor em suas barracas à noite. Por isso, e também por outros aspectos que aparecem mais adiante na trama, “The History of Sound” remete muito a “O Segredo de Brokeback Mountain”, com seus machos sensíveis e enrustidos.
Viver a homossexualidade por completo também é um problema no filme de Hafsia Herzi, “The Little Sister”, uma daptação do livro “A Última Filha”, de Fátima Daas. Nele acompanhamos Fátima, jovem muçulmana que está sempre acompanhada de meninos e veste roupas masculinas.
Performar os papéis esperados de uma mulher heterossexual, como usar saias, maquiagem e beijar garotos, causam um desconforto vísivel, transbordado através da câmera sempre próxima ao rosto de Nadia Melitti.
Fatima tem acessos de raiva quando a chamam de lésbica no colégio, e frequenta a mesquita com a sua mãe e suas irmãs. A aflição, porém, vai ficando impossível de ser controlada. Ela então começa a usar um aplicativo de paquera, e começa a sair com várias garotas até encontrar Ji-Na, interpretada pela habilidosa Ji-Min Park, e se apaixonar.
A expressividade das atrizes é, aliás, o que impede que o filme pouco emocionante caia em um marasmo. Entre as idas e vindas de culpa por ser lésbica, Hafsia Herzi deixou a narrativa um pouco repetitiva e acabou negligenciando outros aspectos que poderiam ser tratados com mais profundidade na tela, como a conflituosa relação entre a protagonista e sua mãe.
O que é mais interessante no filme não é a descoberta da sexualidade, mas a maneira como isso acontece de forma diferente para mulheres muçulmanas um recorte quase nunca presente no cinema ou na literatura. No caso de Fatima, por exemplo, se apaixonar por uma mulher que também é de origem não-francesa parece tê-la incentivado mais a pensar sobre a própria identidade do que frequentar festas libertárias e regadas a álcool.