SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Países que tributam mais a renda em vez do consumo tendem a ter índices de desenvolvimento humano (IDH) maiores, menor desigualdade e serem democracias mais liberais. O contrário se dá em economias cuja maior base tributária está apoiada em bens e serviços, caso do Brasil e de dezenas de países menos desenvolvidos, sobretudo na África.
Análise da estrutura tributária de 73 nações ao longo de 32 anos realizada pelo Observatório Brasileiro do Sistema Tributário, parceria do Sindifisco Nacional com a Universidade Federal de Goiás, sustenta que a progressividade nos impostos (cobrar mais de quem ganha ou tem mais) traz uma série de vantagens comparativas.
No caso do Brasil, segundo dados do levantamento, a tributação sobre bens e serviços representa o dobro do que é arrecadado na taxação sobre a renda 14,3% do Produto Interno Bruto (PIB) ante 7,3%, respectivamente. Como comparação, nos Estados Unidos, bens e serviços respondem por 4,1% e a renda, por 11,6%.
Nesta semana, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto para isentar do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5.000 ouviu integrantes do governo. A medida é promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A isenção beneficiaria 10 milhões de pessoas e prevê renúncia fiscal de R$ 27 bilhões para a União. Para compensar, o governo quer tributar quem ganha mais de R$ 600 mil por ano (em salários, aluguéis, dividendos e outros rendimentos).
Francisco Tavares, coordenador do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário, diz que embora o projeto leve a uma diminuição da base de arrecadação do imposto sobre a renda, ele faz sentido, pois a tributação recairia sobre quem ganha mais.
“O Brasil teria base tributável para modificar o modelo atual, em que o consumo é priorizado como fonte de arrecadação. Não é necessário que exista uma porção majoritária da população como contribuinte do IR”, diz. “Não se trata de elevar a tributação sobre camadas médias, mas de alcançar rendimentos subtributados que atingem somas vultosas, ainda que sejam obtidos por um conjunto reduzido de contribuintes.”
Para a portuguesa Rita de La Feria, da universidade britânica de Leeds e uma das maiores especialistas em tributação no mundo, é desejável que a tributação recaia mais sobre a renda. No caso, brasileiro, porém, ela afirma que prevalece a taxação do consumo porque o país não tem uma classe média ampla como países nos desenvolvidos em que a tributação sobre rendimentos é proporcionalmente maior.
Ela questiona o projeto do governo Lula de isentar quem ganha até R$ 5.000 e concentrar a arrecadação nos mais ricos. “É um risco enorme diminuir a base tributária e taxar os 10% mais ricos, pois essas são as pessoas com mais mobilidade para seu capital no mundo”, afirma.
Segundo ela, vários países europeus voltaram atrás em impostos sobre herança (Portugal o eliminou em 2003) e riqueza, pois os abastados acabavam encontrando brechas para evitar a taxação, como a mudança de domicílios fiscais. Os impostos sobre imóveis, diz, são os mais utilizados atualmente para taxar quem é rico.
Rita participou de debate no Insper promovido pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras. No mesmo evento, José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia, em Nova York, apresentou dados que mostram como o sistema tributário brasileiro, majoritariamente baseado no consumo, acaba afetando a desigualdade medida pelo índice de Gini. O Brasil encontra-se entre os piores no mundo.
Entre 1989 e 2020, o Congresso encaminhou 4.841 projetos, medidas provisórias ou propostas de emenda à Constituição na área tributária. Só 5% (247) dessas proposições foram progressivas, no sentido de tributar as camadas mais ricas ou aliviar as mais pobres (como na isenção a produtos da cesta básica).
Do total, 67,2% das propostas criavam deduções ou isenções do Imposto de Renda, do IPI ou regimes especiais para beneficiar grupos, setores produtivos específicos e municípios.