RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – O sorriso ainda demonstra timidez, mas as palavras já indicam certa maturidade. Com apenas 14 anos, Isanelly Cristina vai se acostumando aos holofotes após ser campeã e recordista mundial sub-17 de levantamento de peso.
Isa, como é chamada, recebeu a reportagem em um box de crossfit no bairro de Miguel Couto, em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense onde nasceu e foi criada. Em meio às barras e pesos, contou um pouco da experiência que viveu em Lima, no Peru, no fim do mês passado.
“Foi uma sensação boa, uma felicidade inexplicável. Costumo falar que vou para uma competição com uma missão, e lá eu quero concluir de qualquer forma. Quando bati o recorde, naquele momento, me deu um alívio de o que trabalho tinha sido feito, de missão concluída”, conta.
A jovem de 40 kg levantou 57 kg no arranco, ficando com o bronze na prova. No arremesso, alcançou 77 kg, levando ouro e batendo o recorde mundial 1 kg a mais do que a marca da indiana Preetismita Bhoi. Ela também levou o ouro no geral, com os 134 kg somados nas duas provas.
Topo do pódio e a medalha no peito, mas algo que a ajudou a entender o tamanho do feito conquistado foi um ponto inerente às novas gerações. “Antes de eu viajar, tinha um pouco menos que três mil seguidores [no Instagram]. Depois, cada vez que atualizava, aumentava mil, e mais mil, mais mil… A ficha foi caindo que eu tinha feito história”, lembrou, aos risos.
A título de curiosidade, nesta quarta-feira (21), ela tem quase 19 mil seguidores na conta @isa.lpo no Instagram, onde compartilha registros de treinos, competições e também um pouco da rotina fora dos compromissos profissionais.
O primeiro contato de Isa com o levantamento de peso foi em setembro de 2022, quando tinha 11 anos. A mãe dela é próxima à mãe de Natasha Rosa, atleta do levantamento de peso que esteve nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 e tem um projeto social, o Instituto Seed, que envolve a modalidade.
“Ela disse para a minha mãe que tinha uma vaga. Eu sempre gostei muito de esporte, mas nunca tinha tido uma oportunidade tão grande como essa. Eu nunca tinha imaginado o que seria o levantar peso. Eu sabia que era um esporte, mas não tinha essa noção inteira. Mas, ao saber dessa vaga, me interessei e fui de coração”
De fato, Isanelly se dedicou à chance e, para aproveitá-la, assistiu a vídeos e treinou movimentos com materiais que tinha em casa, como cabo de vassoura.
“Eu tinha aberto um pequeno espaço e chegamos a atender 14 crianças ao mesmo tempo. A Isa apareceu para fazer o teste e no primeiro dia… Eu nunca vou esquecer disso, ela virou para mim e disse que queria ser atleta olímpica. Ficamos muito comovidos. Fomos fazer o teste e ela demonstrou já saber os movimentos, fiquei abismada. Ela me contou que tinha visto meus vídeos e reproduzia com um cabo de vassoura porque queria passar no teste”, conta Natasha.
“Eu sabia que a Nath tinha ido às Olimpíadas de Tóquio. Daí, fui caçar o Instagram dela e fiquei vendo vídeos sobre arranco, sobre arremesso, pesquisava aqui e ali, para ter um entendimento melhor. Eu treinava uma vez por semana e, na segunda semana, cheguei sabendo os movimentos, e todo mundo ficou ‘de cara’ porque era o meu segundo treino”, diz Isa.
Os bons resultados neste começo de temporada impulsionam ainda mais o desejo de estar em Los Angeles-2028. “Eu penso bastante nisso, quero muito me manter no alto para conseguir uma vaga nesta corrida olímpica”.
MÃE É PILAR E IRMÃOS OLHAM ESPORTE
Isa estuda em um colégio público da região e tenta conciliar a agenda de treinos e competições com os compromissos escolares. “Quando viajo, tenho de correr atrás do prejuízo, pegar matéria que foi passada e falar com o professor e diretor para tentar abonar. É uma loucura”, brinca.
Ela é a mais velha de três irmãos Sarah tem 9 anos e Antony tem 6. “A minha irmã pede sempre para eu levar aos treinos. Como ela estuda à tarde, fica um pouco mais complicado. Meu irmão já fica pegando a vassoura e fazendo o movimento de arranco, e fala que ele está igual ao meu”.
A maturidade que já demonstra em algumas palavras vem da mãe, Flaviana, que atualmente trabalha em um restaurante. “Tive de amadurecer muito cedo por causa de questões familiares. Tive de entender algumas coisas, conviver com a vida real, saber como funcionavam as coisas no mundo real, não na minha cabeça. E também por causa do esporte, porque o esporte precisa que você seja comprometido. Então, é necessário uma maturidade para entender tudo que o esporte lhe pede”.
Foi Flaviana, inclusive, que impediu que a filha desistisse de seguir o caminho do esporte profissional. “Minha mãe falou: ‘Você só quer desistir agora porque está cansada. Mas, mais para frente, vai ver que é uma fase’. E realmente foi. Temos uma relação muito boa. Ela sempre foi esse pilar, alguém que me dá conselhos, está comigo toda hora que preciso”.
“Ela foi um apoio primordial nesse começo de carreira da Isa, que não foi muito fácil devido às circunstâncias, devido à situação financeira [do projeto]. Quero, inclusive, agradecer a todos que, de alguma forma, fizeram parte disso. Queria contar uma coisa: até o dia da viagem da Isa, não tínhamos o dinheiro para levá-la ao aeroporto, mas surgiu uma pessoa para nos ajudar e deu tudo certo no final, com esse feito histórico”, afirma Natasha.
AJUDA E ENCONTRO COM ÍDOLO
Além da treinadora Natasha Rosa, Isa também cita Laura Amaro, um dos principais nomes da modalidade atualmente, como um dos espelhos. Ela conta que ficou sem reação ao ver a atleta pela primeira vez.
Laura conquistou a primeira medalha feminina da história do Brasil em um Mundial de levantamento de peso. Em 2021, no Uzbequistão, ela levantou 108 kg no arranco e garantiu a prata na categoria até 76 kg. Ela também foi bronze no Pan de Santiago-2023.
“Eu assistia aos vídeos da Laura e pensava: ‘Gente, e quando encontrar Laura?’. Quando eu a encontrei, fiquei muito tímida. Encontrei a Laura, o Thiago, que foi campeão mundial também… Depois de um tempinho, perdi a vergonha de conversar com eles”.
Natasha revela que Laura contribuiu diversas vezes para o projeto e para Isa. “Temos alguns padrinhos e madrinhas que costumam nos ajudar. Conseguimos verbas através de doações. Uma delas, que gostaria de agradecer publicamente, é a Laura. Ela não me pediu pra fazer isso, nem sei se vai brigar comigo… Mas ela foi uma das pessoas que ajudou bastante o projeto e a Isa. Com o dinheiro que ela nos mandava, conseguimos comprar alimentação e coisas que ajudaram no rendimento dela. Ainda mais por ela ser de uma categoria tão leve, tinha de ter um cuidado muito grande com a alimentação”.