SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A China criticou duramente nesta quarta (21) o anúncio feito na véspera por Donald Trump de que os Estados Unidos vão desenvolver um sistema contra mísseis balísticos, que o presidente americano batizou de Domo Dourado.
“Os EUA estão obcecados em buscar segurança absoluta para si próprios”, disse a porta-voz diplomática chinesa Mao Ning.
“Isso viola o princípio de que a segurança de todos os países não pode ser comprometida e prejudicar o equilíbrio estratégico e a estabilidade globais. A China está seriamente preocupada com isso”, completou. Para ela, o projeto tem “fortes implicações ofensivas” e aumenta a militarização do espaço.
O Domo Dourado ainda é uma ideia. Trump disse que vai propor que o orçamento militar de 2025-2026 preveja o equivalente a R$ 140 bilhões para o início do projeto, que ele estima que custará cerca de R$ 1 trilhão e estará operacional até o fim de seu mandato em 2029.
Com a exceção da verba inicial, que terá problemas para ser aprovada pelo Congresso porque a oposição vê favorecimento possível à empresa espacial de Elon Musk, braço-direito de Trump, o resto é nebuloso. O próprio Congresso havia estimado um custo bem maior, de R$ 2,8 trilhões em 20 anos, para a iniciativa.
Além disso, interceptar mísseis intercontinentais com múltiplas ogivas nucleares é um trabalho hercúleo, que o sistema atual à disposição dos EUA não consegue fazer adequadamente. Trump falou em satélites para atingir as armas em seu curso fora da atmosfera, mas isso hoje ainda é mais ficção científica.
O que não significa que, a exemplo do que ocorreu quando Ronald Reagan apresentou uma versão do projeto em 1983, conhecida como Guerra nas Estrelas, seus rivais não tenham ficado preocupados. No caso da então União Soviética, a corrida armamentista foi tão desenfreada que é vista como um dos motivos que levou à derrocada do império comunista, em 1991.
Hoje, o papel é da China, terceira maior potência atômica do mundo, com 600 ogivas operacionais segundo a Federação dos Cientistas Americanos. Isso é uma fração do estoque combinado dos EUA e da Rússia, que soma quase 90% das armas atômicas do planeta.
Ainda assim, demonstra um crescimento exponencial do arsenal de Pequim nos últimos anos, o que leva o Pentágono a estimar que na década de 2030 o país terá o mesmo número de bombas prontas para uso que os líderes, que operam cerca de 1.700 armas cada um embora tenham muito mais estocadas.
Já a Rússia, que tem um arsenal algo maior que o americano e historicamente era a maior preocupação dos EUA nesse campo, baixou o tom das críticas ao Domo Dourado.
No começo do ano, quando a ideia foi apresentada pela primeira vez, a chancelaria em Moscou a havia criticado nos mesmos termos empregados por Pequim nesta quarta. Já o Kremlin, questionado nesta manhã sobre o tema, preferiu dizer que era uma questão soberana dos EUA.
Segundo Dmitri Peskov, o porta-voz de Vladimir Putin, se o Domo for em frente será mais um incentivo para que Rússia e EUA voltem às mesas de negociação acerca de controle de armas.
“No futuro visível, o próprio curso dos eventos demanda a retomada dos contatos acerca de questões de estabilidade estratégica”, disse.
Tudo isso reflete o atual momento da relação entre as potências atômicas. Trump virou a chave da política americana em relação ao apoio a Kiev contra a invasão russa de 2022, e já teve três conversas telefônicas com Putin para tentar destravar negociações.
No seu primeiro mandato, de 2017 a 2021, o republicano havia começado a desmantelar o arcabouço do controle de armas nucleares ao retirar os EUA de 2 dos 3 principais tratados sobre o tema. Ele queria forçar a inclusão da China, que via como real adversária, em novos acordos.
A Rússia e sua aliada asiática se negaram a fazer isso, e Joe Biden manteve em pé o tratado remanescente, chamado Novo Start. Devido à hostilidade com o Ocidente na guerra, Putin congelou a participação russa nos mecanismos de controle previstos no acordo em 2023.
O texto, que precisa ser renovado periodicamente, vai expirar em 2026. Para agradar a Casa Branca, o Kremlin mudou sua abordagem e defendeu que a China e outros atores, uma referência às potências nucleares ocidentais adjacentes aos EUA, o Reino Unido e a França, participem de conversas.
Até aqui, nada andou, mas o Domo Dourado pode dar um estímulo às conversas, mesmo que o projeto em si não saia ao fim do papel como a Guerra nas Estrelas de Reagan nos anos 1980. O projeto rouba o nome do Domo de Ferro israelense, que trata de alvos simples, de baixa altitude.
Isso dito, a militarização do espaço é uma realidade inexorável, com russos, chineses e americanos trabalhando ativamente nisso. O tratado de 1967 que lida com o tema só proíbe a colocação de armas nucleares fora do planeta.
A proliferação de tecnologias como a hipersônica também mudou a realidade, forçando as potências a rever de fato suas capacidades de defesa, que de resto nunca foram muito eficazes contra os grandes mísseis intercontinentais.