BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), uma das entidades alvo de operação no caso dos descontos irregulares do INSS, recebeu R$ 1,85 milhão da Caixa Econômica Federal, do Sesi (Serviço Social da Indústria) e do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para realizar dois eventos em 2023 e 2024.

Um deles teve a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A Marcha das Margaridas de 2023 recebeu R$ 1 milhão em patrocínio do Sesi, R$ 350 mil do Sebrae e outros R$ 350 mil da Caixa. O ato foi encerrado em 16 de agosto daquele ano, com um discurso do petista.

“Aqui há um sentimento de muita esperança porque o Brasil voltou, o presidente Lula voltou, as mulheres voltaram para o governo”, disse o então presidente da entidade, Aristides Santos, durante o evento.

Realizado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o evento foi um ato político voltado a mulheres para promover a pauta de reivindicações da Contag. O nome é uma homenagem à líder sindical Margarida Alves, assassinada em 1983.

Os recursos do sistema S vêm da contribuição feita pelas empresas sobre a folha de pagamentos de seus trabalhadores. Embora esses recursos sejam recolhidos pela Receita Federal, não se trata de dinheiro público.

O outro evento da Contag que recebeu patrocínio foi a 3ª Mostra Nacional de Produção das Margaridas. Tratou-se de uma exposição de produções agroecológicas e artesanais de mulheres de comunidades rurais. A mostra foi realizada de 16 a 18 de agosto de 2024, sem a participação de Lula. A Caixa, um banco público, destinou R$ 150 mil.

Os dois eventos mencionados foram realizados antes de a operação trazer o caso dos descontos indevidos à tona. A Folha de S.Paulo também encontrou outros R$ 117 mil de patrocínios de estatais a entidades de nível estadual filiadas à Contag em 2023 e 2024.

Os números foram levantados pela Folha de S.Paulo nos sites do banco estatal, do Sesi e do Sebrae.

Em 23 de abril, Polícia Federal e CGU fizeram uma operação para apurar supostos descontos indevidos em benefícios do INSS. O dinheiro descontado dos beneficiários teria ido para diversas entidades. Autoridades falam em até R$ 6,3 bilhões em de descontos, mas ainda não se sabe quanto desse valor seria fruto de cobranças indevidas.

Das entidades investigadas, a Contag é a que mais tem descontos em benefícios do INSS, com 1,3 milhão de pessoas. Seu acordo com o INSS é o mais antigo, iniciado na década de 1990.

A confederação foi excluída pela AGU (Advocacia-Geral da União) e pelo INSS do chamado núcleo da fraude, que foi alvo de uma ação judicial com base na lei anticorrupção. Nesta ação, o governo pediu o bloqueio imediato de R$ 2,56 bilhões em bens de 12 entidades e de seus dirigentes, a quebra de sigilo fiscal e bancário, a apreensão dos passaportes dos envolvidos e a suspensão de suas atividades.

Segundo o Executivo, só entraram nessa lista entidades que podem ser enquadradas na lei anticorrupção: seja por existência de “fortes indícios de terem sido criadas com o único propósito de praticar a fraude (entidade de fachada), com sua constituição utilizando ‘laranjas’ (art. 5º, III, da LAC)”; seja por haver “fortes indícios de pagamento de vantagem indevida a agentes públicos para autorizarem os descontos indevidos (Art. 5º, I, da LAC)”.

Sobre os descontos em benefícios, a Contag afirmou quando o caso veio a público que “sempre atuou com ética e responsabilidade e tem se empenhado ativamente no aperfeiçoamento da gestão e na fiscalização dos projetos e convênios que administra”.

A entidade ainda afirma que, quanto aos patrocínios, busca apoio de diversas instituições e que as exigências para obter os recursos foram cumpridas. “Existem chamadas públicas de patrocínio com regulamento próprio antecedente e exigências específicas que foram totalmente observadas”, afirmou em nota.

O Sesi declarou que os recursos para a Marcha das Margaridas foram aprovados conforme critérios técnicos e que o apoio está “alinhado às finalidades institucionais” da entidade. Também disse que não houve um pedido do governo federal para que o patrocínio fosse concedido.

O Sebrae disse que seu público-alvo inclui produtores rurais da agricultura familiar, grupo que participa da Marcha das Margaridas, e que o apoio seguiu as normas internas da entidade. Segundo o Sebrae, foi uma ação para fortalecer a cooperação entre pequenos negócios, ampliar mercado e promover desenvolvimento a sistemas produtivos locais.

A Caixa Econômica Federal afirmou que seus patrocínios são selecionados de acordo com o plano estratégico do banco. Segundo a empresa, esse mecanismo respeita os limites orçamentários aprovados na Lei das Estatais.

A Contag historicamente faz parte da base de apoio político do PT. Em seu discurso na Marcha das Margaridas de 2023, Lula mencionou que na edição anterior do evento, em 2019, estava preso em Curitiba.

“Eu estava distante, mas ouvi o grito de vocês por justiça, ouvi quando repetiram tantas vezes o clamor ‘Lula livre’”, declarou o presidente em 2023. O chefe do governo estava acompanhado de diversos ministros. Em 2015, ele também discursou no ato.

A Marcha das Margaridas é central na agenda da entidade, e sua primeira edição foi em 2000.