BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) criticaram nos bastidores o desempenho do procurador-geral da República, Paulo Gonet, durante o depoimento do ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes, que chegou a levar uma bronca e ser questionado de forma incisiva pelo ministro Alexandre de Moraes.
Embora não seja unânime na corte, a avaliação de uma parte dos magistrados foi de que Gonet não conseguiu se contrapor à versão considerada mais amena do golpismo apresentada por Freire Gomes na segunda-feira (19) ao Supremo.
Dois ministros relataram à Folha de S.Paulo a existência desse incômodo dentro do tribunal, apesar de outras posições divergentes –um elogiou a denúncia da Procuradoria-Geral da República e dois afirmaram não ter considerações sobre a atuação do PGR.
De outro lado, três defensores de réus no processo da trama golpista elogiaram à Folha, sob reserva, a atuação de Gonet. A PGR foi procurada, mas não se manifestou.
A forma de o procurador-geral conduzir a inquirição ficou clara ainda no início da audiência. Sem levantar contradições no depoimento, Gonet fazia digressões para confirmar se a resposta do general poderia ser entendida conforme está narrado na denúncia.
Um exemplo foi quando o ex-chefe do Exército disse que não viu com espanto quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou aos comandantes militares a primeira minuta do decreto golpista.
Freire Gomes disse que Bolsonaro apresentou o documento como um estudo, embasado na Constituição, e que o ex-presidente informou que voltaria ao assunto após consultar outros auxiliares.
“Posso dizer, então, que ele estava preparando os senhores, com razões jurídicas, para apresentar mais a seguir medidas de intervenção que ele já estava antecipando que ia tomar?”, perguntou Gonet.
O advogado Celso Vilardi, defensor de Bolsonaro, disse que a pergunta de Gonet buscava direcionar a resposta do general. O ministro Alexandre de Moraes negou a questão de ordem, e o microfone de Vilardi foi cortado.
“Doutor Paulo Gonet, não necessariamente. Talvez ele tenha nos apresentado por questão de consideração, já que alguns aspectos do documentos se referiam à GLO [Garantia da Lei e da Ordem], estado de defesa e estado de sítio”, respondeu o ex-comandante.
Outro momento em que a posição de Gonet passou a ser criticada foi quando Freire Gomes afirmou que não poderia fazer juízo de valor sobre a postura do então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, sobre declarar apoio às propostas golpistas de Bolsonaro.
“Ele disse que estava com o presidente, e a intenção do que ele quis dizer sobre isso não me cabe [interpretar]”, disse o general.
Alexandre de Moraes conduzia a audiência. Ele interrompeu o interrogatório neste momento, após as versões do general serem interpretadas como mais amenas, e disse que Freire Gomes deveria falar a verdade em juízo.
“Eu queria advertir a testemunha. Ela não pode omitir o que sabe. Vou dar uma chance para a testemunha falar a verdade. Se mentiu para a Polícia Federal, tem que dizer que mentiu para a polícia.”
Moraes ainda aproveitou a fase final do depoimento, após todas as defesas fazerem suas perguntas, para fazer questionamentos objetivos a Freire Gomes. Ele queria confirmar com o general se tudo o que falou à Polícia Federal durante a investigação -que Bolsonaro os consultou sobre medidas para uma ruptura institucional- seria verdade ou se iria mudar de versão.
Freire Gomes manteve todo o seu depoimento à PF e negou mudança de versão no Supremo. A audiência foi encerrada.
Três advogados de réus no processo da trama golpista afirmaram à Folha de S.Paulo, sob reserva, que Gonet não tem traquejo para conduzir depoimentos em processos penais, o que viram como um ponto favorável a seus clientes. A formação do procurador foi direcionada ao direito constitucional, e ele é autor de livros de referência para a área.
A avaliação no Supremo é que Freire Gomes tentou blindar o ex-chefe da Marinha Almir Garnier com o depoimento ao tribunal. O testemunho do general ainda reforça a tese da defesa de Bolsonaro de que o ex-presidente estudou implementar medidas após o resultado eleitoral, mas a cogitação não era ilegal nem se transformou em um planejamento golpista.
A figura de general legalista construída na denúncia da PGR habitou o imaginário do Supremo -acabou, porém, sendo questionada internamente com o depoimento de segunda-feira.
A disparidade entre o que se esperava do testemunho do general com o que o ex-chefe militar faltou ao Supremo aumentou a expectativa pelo depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior, previsto para esta quarta (21).
Nos bastidores, Moraes tem destacado que o depoimento do general reforça os principais fatos narrados na denúncia: que Bolsonaro apresentou minutas golpistas aos chefes das Forças Armadas e que o Exército e a Aeronáutica foram contra as conspirações.
O advogado Demóstenes Torres é responsável pela defesa de Garnier. Ele diz que o depoimento de Freire Gomes deveria invalidar a acusação contra o antigo comandante da Marinha.
A denúncia da PGR diz que Garnier “se colocou à disposição de Jair Bolsonaro para seguir as ordens necessárias ao cumprimento do decreto”. A manifestação teria sido expressa em uma reunião em 7 de dezembro de 2022 e confirmada em encontro entre os chefes militares e o ministro da Defesa em 14 de dezembro do mesmo ano.
Freire Gomes, porém, diz que o ex-chefe da Marinha ficou calado nas duas reuniões. Ele teria se manifestado em apoio a Bolsonaro em outro encontro, de data desconhecida.
“Aconteceram aparentemente outras reuniões, mais informais. E o Garnier teria se colocado à disposição, não para dar golpe, talvez numa deferência ao presidente, segundo o Freire Gomes. Mas acontece que essas outras reuniões não são objeto da acusação. Não foram mencionadas na denúncia”, diz Torres.
“Quer dizer que, no mínimo, Gonet comeu mosca. E agora só tem uma alternativa: aditar a denúncia incluindo esse fato novo. Caso contrário, a situação do Garnier está juridicamente resolvida. As acusações contidas na denúncia foram desmoralizadas no depoimento do general [Freire Gomes]”, completa o advogado.