BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O risco de problemas relacionados ao clima se concretizou de maneira inédita no setor financeiro em 2024, com quase metade das instituições identificando algum tipo de efeito do gênero em suas atividades.
De acordo com pesquisa do Banco Central, o número de instituições que sentiram algum impacto em decorrência do clima mais que dobrou em relação ao ano anterior -chegando a 44% do total. O patamar havia ficado em 17% em 2023 e em 16% no levantamento inicial, de 2022.
Apesar de os números terem sido impulsionados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, outros eventos -como secas no Sudeste- também influenciaram as respostas. Além disso, tanto o BC quanto representantes do setor veem os dados como reflexo de um “novo normal”.
Amaury Oliva, diretor-executivo de Sustentabilidade da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), afirma que o risco ambiental tem se evidenciado em várias frentes -como inundações, secas e incêndios. Segundo ele, a entidade tem trabalhado com associadas para reforçar o enfrentamento aos problemas.
“Essa é uma agenda que tende a se agravar, afetando a abertura de negócios, o emprego das famílias e, naturalmente, gera risco de perdas nos balanços das empresas e dos bancos”, afirma.
“Por isso, o setor bancário já discute essa agenda há bastante tempo, buscando previsibilidade. Ao gerenciar riscos, é essencial contar com mecanismos adequados para mitigá-los”, diz.
Na prática, uma das maiores preocupações do setor é o aumento da inadimplência dos clientes como consequência. A seca é o principal evento físico ao qual as instituições estão expostas, devido ao alto volume de crédito direcionado ao agronegócio e à relação direta desse setor com o clima.
Uma seca que comprometa a colheita em determinada região pode levar muitos produtores a deixar de pagar empréstimos em massa, impactando bancos e demais instituições financeiras.
De acordo com o BC, as maiores exposições do sistema financeiro brasileiro ao risco climático físico estão relacionadas à seca no cerrado e na mata atlântica, onde estão presentes agricultura e atividade pecuária.
Dyogo Oliveira, presidente da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), afirma que o setor paga entre R$ 4 bilhões e R$ 4,5 bilhões ao ano em indenizações do seguro rural, hoje o segmento de maior exposição das empresas associadas no país.
“O que estamos vendo no Brasil é maior frequência e intensidade dos eventos”, diz. “Não se trata de episódios pontuais, mas de uma tendência. Algo [como o que ocorreu no Sul] vai voltar a acontecer em algum lugar. É uma nova realidade.”
Para ele, as mudanças climáticas continuam fazendo da mensuração de riscos, uma tarefa crucial para o setor, uma difícil missão. “Os seguros vivem de dados. Quando ocorre uma mudança muito grande, como a climática, as referências mudam, e a precificação se torna difícil”, afirma.
Apesar do aumento dos impactos concretos, os dados do BC revelam, por outro lado, uma queda na preocupação com o risco climático no longo prazo. No horizonte de 5 a 30 anos, as instituições veem estabilidade ou uma leve queda no risco tanto da probabilidade como do impacto esperado.
Para os técnicos do BC, essa aparente contradição se explica pela maior maturidade do setor, hoje mais capacitado para identificar e mitigar esses riscos. Segundo a autoridade monetária, as instituições têm reavaliado a concentração de crédito em setores mais vulneráveis, aprimorado o uso de dados e realizado testes de estresse – simulações que checam se conseguiriam resistir a cenários extremos, como crises econômicas ou desastres naturais.
Francisco Silveira, chefe adjunto do Departamento de Gestão Estratégica e Supervisão Especializada do BC, afirma que o avanço nas metodologias das instituições tem sido responsável por melhorar cálculos e reduzir a percepção de risco.
“O que as instituições têm feito é gerenciar esse tipo de risco com uma abordagem prospectiva, evitando que se transforme em um problema no futuro. Há mais gente fazendo cálculos mais precisos, o que reduz o impacto potencial”, diz.