BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) recusou nesta terça-feira (20), pela primeira vez, parte da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a trama golpista de 2022.

Dois dos envolvidos tiveram suas acusações rejeitadas pelo tribunal, que também decidiu por unanimidade tornar réus outros dez acusados.

Com isso, o colegiado aumenta para 31 a lista dos que serão julgados sob a acusação de tentar impedir a posse de Lula (PT) —entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nesta terça, a corte analisou os casos de denunciados por pressão a militares e outros agentes públicos a aderir ao plano golpista. Na avaliação dos ministros, porém, não há indícios suficientes contra o coronel da reserva Cleverson Magalhães e o general Nilton Diniz Rodrigues, mas apenas referências aos nomes de ambos na peça acusatória.

O núcleo julgado nesta terça foi composto majoritariamente por militares que, segundo a PGR, incentivaram o golpe de Estado a despeito da posição do Alto Comando do Exército.

O grupo tornado réu é formado por Bernardo Romão Correa Neto (coronel da reserva), Estevam Theophilo (general da reserva), Fabrício Moreira de Bastos (coronel), Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel), Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel da reserva), Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel), Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel), Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel), Sérgio Ricardo Cavaliere (tenente-coronel da reserva) e Wladimir Matos Soares (policial federal).

Eles são acusados de praticar cinco crimes: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.

Dos 12 denunciados no núcleo militar, 7 seriam por supostamente dar respaldo a uma carta de oficiais do Exército. A maior parte deles, segundo a PGR, apoiou as estratégias de pressão sobre os chefes das Forças Armadas em uma reunião informal em 28 de novembro de 2022. Outra parte é acusada de planejar o assassinato do ministro Alexandre de Moraes.

Primeiro a votar, Moraes rebateu os argumentos das defesas. De acordo com ele, há prova documental de que a finalidade da reunião era debater como seria possível pressionar os superiores hierárquicos

“Se fosse para tomar cerveja com os amigos, não haveria necessidade de excluir mensagens e ainda alertar que muitas coisas vazam”, disse, em referência a mensagens apagadas e depois recuperadas pelos investigadores.

De forma inédita, no entanto, o relator considerou frágil a denúncia apresentada pela PGR em relação a dois dos militares.

“Não se verifica aqui nos autos indícios mínimos da ocorrência do ilícito criminal em relação a ambos. Há descrição, mas ela não está razoavelmente baseada em indícios das práticas das elementares dos diversos tipos penais seja por Cleverson Ney Magalhães ou Nilton Diniz Rodrigues”, afirmou.

Nilton era coronel no fim de 2022. Com formação nas Forças Especiais, onde atuam os chamados “kids pretos”, estava à época na assessoria direta do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. Ele é citado na denúncia como alguém que poderia influenciar o então comandante a aderir ao golpe.

Dias antes de ser indiciado, ele era o comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira (AM).

Cleverson era militar assistente do chefe do Comando de Operações Terrestres, Estevam Theophilo. A denúncia diz que o militar seria uma figura que poderia influenciar Theophilo que, por sua vez, chegaria a Freire Gomes. Ele é citado como um dos participantes da reunião que discutiria estratégias para a trama.

Flávio Dino acompanhou o relator na íntegra. “Acompanho não a inexistência de indícios, apenas considero que não há standard mínimo. O que há é muito frágil. Essas alusões não vêm acompanhadas de fatos, mensagens, de provas”, disse.

Antes, os ministros aceitaram, no entanto, a denúncia contra os outros dez integrantes do núcleo. As defesas dos acusados de compor o núcleo militar afirmaram à Primeira Turma que seus clientes não tiveram relação com a carta de oficiais.

Em depoimento a Moraes, o delator Mauro Cid disse que a reunião era uma “conversa de bar”. “Ninguém apresentou documento, ninguém sentou para organizar [a pressão contra os comandantes militares]”, disse o militar ao Supremo.

Os advogados se valeram da delação para defender a falta de indício de autoria e materialidade para o recebimento da denúncia.

Os ministros desconsideraram o argumento de que teria sido um encontro entre amigos. “Evidentemente vamos ter de verificar e checar se expressões como ‘conversa de bar’ não é uma expressão mal empregada pelo colaborador, porque uma reunião que busca providências como matar autoridade e golpe de Estado não pode ser conversa de bar”, disse Zanin.

Em outro momento, as defesas alegaram que não seria possível, diante dos eixos da hierarquia e da disciplina da rotina militar, que oficiais de patente mais baixa pretendessem influenciar superiores.

“Se assim fosse, não existiria o crime de motim do Código Militar e a história não mostraria quantas e quantas vezes os de menor patente se insurgiram. E devemos nos lembrar que não foi o comandante do Exército que liderou o golpe de 1964, foi um comandante do Sul”, afirmou Moraes.

Na fase de recebimento da denúncia, a Primeira Turma do Supremo analisa somente se a acusação da PGR traz indícios mínimos para a abertura de uma ação penal.

Na próxima etapa, passa-se à instrução do processo, com depoimentos de testemunhas e dos réus. Caberá à PGR apresentar as provas para confirmar a veracidade das suspeitas.

Com o processo penal aberto contra os acusados, as defesas terão o direito de receber todas as provas colhidas pela Polícia Federal durante a investigação. Os advogados ainda podem solicitar a inclusão de novas provas, realizar perícias sobre documentos apreendidos e elencar testemunhas para serem ouvidas.

Anteriormente, a Primeira Turma havia feito três rodadas de análise de denúncias, todas aceitas por unanimidade.

A primeira leva de denunciados, que, segundo a PGR, integrariam o núcleo central da tentativa de ruptura institucional, foi analisada em 26 de março. Os que tornaram-se réus no núcleo 2 foram caracterizados como parte do “gerenciamento de ações” em torno do golpe, com denúncia aceita em 22 de abril. Houve ainda o núcleo acusado de disseminação de fake news, tornado réu em 6 de maio.

O último núcleo é composto somente pelo ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo. O processo contra ele está travado no Supremo sem que o acusado tenha sido intimado pessoalmente nos Estados Unidos, onde mora há dez anos.